sexta-feira, 21 de outubro de 2011

29 - Alta Idade Média Ocidental

1. A Idade Média

De acordo com a divisão tradicional da história, a Idade Média é o período situado entre a Idade Antiga e a Idade Moderna, simbolicamente iniciado em 476 (queda do Império Roma Ocidental) e encerrado em 1453 (queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente ou Bizantino). A historiografia francesa, muito influente no Brasil, costuma subdividir a época medieval em duas grandes fases: a Alta Idade Média (séculos V-X) e a Baixa Idade Média (séculos XI-XV).

2. A Alta Idade Média Ocidental (séculos V-X)

2.1 Aspectos gerais

No caso da Europa Ocidental, a Alta Idade Média foi marcada por uma série de ataques, invasões e migrações de povos ditos “bárbaros”; pela formação de reinos germânicos, em um processo de fusão com elementos romanos; pela consolidação do cristianismo católico; por uma relativa retração da vida urbana e das atividades mercantis; pelo desenvolvimento de uma agricultura mais produtiva do que a romana, embora mais voltada para a subsistência do que para o mercado; pela gradual expansão da servidão e recuo da escravidão; pela ascensão de uma aristocracia fundiária guerreira; e pelo nascimento e afirmação do feudalismo.

2.2 A primeira invasão bárbara (séculos IV-VI)


A primeira invasão bárbara na Europa Ocidental, composta sobretudo por povos germânicos, começou no século IV e foi dirigida contra o Império Romano, mas ela não cessou com a queda de Roma no século V e só foi concluída na segunda metade do século VI, quando os germanos da etnia lombarda conquistaram a Itália.

a) Conseqüências da primeira invasão bárbara

Destruição do Império Romano Ocidental. As cidades se esvaziaram com a insegurança e o comércio sofreu uma retração. O meio rural voltou-se mais para a subsistência.

Povoamento da Europa Ocidental pelos povos germânicos. Formação de reinos germânicos no Ocidente, como o reino ostrogodo na Itália (substituído em 568 pelo reino lombardo, outro povo germânico que invadiu tardiamente os ex-territórios romanos), o reino visigodo na Espanha, o reino franco na Gália (França), os reinos anglo-saxões na Britânia (Inglaterra) e o reino vândalo no norte da África (Tunísia e Argélia).

Síntese feudal. Fusão da sociedade romana (o “escravismo em decomposição”) com a sociedade germânica (o “tribalismo em transformação”), fato considerado decisivo para o nascimento do feudalismo. As grandes propriedades rurais (vila) passaram para as mãos da aristocracia guerreira, através de casamentos ou de expropriações.

2.3 O Reino dos Francos



Os francos criaram o principal reino germânico da Europa, com a “síntese feudal” mais equilibrada. Inicialmente restrito à França e Bélgica, o reino franco expandiu-se e acabou dominando a Alemanha, o norte da Itália, a Holanda, a Suíça e a Áustria, constituindo o mais poderoso império medieval da Europa Ocidental – o Império Carolíngio.

a) A Dinastia Merovíngia (482-743)


Os merovíngios (a primeira família real dos francos), lançaram as bases institucionais, militares e territoriais do Estado franco na Gália.

O reinado de Clóvis (482-511). O primeiro rei da França, Clóvis, unificou as tribos francas, expandiu o seu território pela Gália e converteu-se ao catolicismo, junto com milhares de guerreiros. Essa conversão foi decisiva para a sobrevivência da Igreja de Roma no Ocidente, ameaçada pelo paganismo de algumas tribos germânicas e pela heresia de outras. Foi o começo da aliança entre a Igreja e os reis da França: em troca de proteção militar, o clero católico garantia legitimidade religiosa à monarquia francesa.

A ascensão dos majordomos (séculos VI-VII). Depois da morte de Clóvis, a realeza ficou enfraquecida e o reino franco acabou dividido e reunificado diversas vezes, em benefício do poder local da nobreza e dos bispos, favorecendo a descentralização. A partir do final do século VII, ocorreu a ascensão dos majordomus ou prefeitos do palácio real: ministros que eram os chefes militares-administrativos que se tornaram a principal autoridade no reino.

A Batalha de Tours e Poitiers (732). O majordomus Carlos Martel derrotou os invasores muçulmanos no oeste da França, salvando o Ocidente da islamização, e fortaleceu o seu poder no reino.

A ascensão dos carolíngios (743-751). Pepino, filho de Carlos Martel, depois de destronar o último monarca merovíngio, Childeric III (743), consegue o apoio do papa Zacarias e assume o título de rei dos francos (751), inaugurando uma nova dinastia, a carolíngia.

b) A dinastia Carolíngia (751-987)

Os carolíngios tentaram restaurar o poder imperial romano no Ocidente e foram, inicialmente, relativamente bem-sucedidos. Durante os duzentos anos em que reinaram sobre a França, o sistema feudal emergiu e afirmou-se no país.

O reinado de Pepino, o Breve (751-768). Pepino consolidou a aliança entre o Estado franco e a Igreja Católica. O papa Estevão II, ameaçado pelos lombardos que dominavam a Itália, pediu socorro ao monarca franco. Em 754, Pepino pôs Roma sob proteção dos francos, invadiu a Itália, derrotou os lombardos e forçou-os a ceder territórios para a Igreja (a “doação de Pepino” que, junto com Roma, transformaram-se na base territorial do Estado papal).

O reinado de Carlos Magno (768-814). O principal rei carolíngio e o mais poderoso monarca europeu de toda a Idade Média, Carlos Magno conquistou a Alemanha (Guerras Saxônicas, 772-804), o norte da Itália (destruição do Reino Lombardo, 773-774) e a Áustria (791-796), entre outros territórios, formando o Império Carolíngio. Em 25 de dezembro de 800, o papa Leão III coroou Carlos Magno como imperador romano, ou seja, restaurador do Império Romano do Ocidente. O império carolíngio foi dividido em distritos (condados e marcas) administrados por nobres nomeados pelo imperador – os vassi dominici. Esses governadores, por sua vez, eram fiscalizados por funcionários enviados por Carlos Magno, conhecidos como missi dominici. Também foi no reinado de Carlos Magno que ocorreu o chamado renascimento carolíngio, uma renovação da cultura escrita, que consagrou o latim como língua oficial e recuperou o interesse por obras clássicas, sobretudo romanas. Além disso, ocorreu um crescimento de escolas para a formação de administradores de origem nobre e de clérigos. Durante todo esse desenvolvimento cultural, a Igreja assumiu uma posição de destaque, fornecendo os principais intelectuais e educadores do império.

O reinado de Luis, o Piedoso (814-843). O filho e sucessor de Carlos Magno conseguiu manter a unidade do império mas teve que enfrentar a revolta dos seus filhos, que disputavam sua sucessão.

O Tratado de Verdun (843). Com a morte de Luis, o Piedoso, o Império Carolíngio foi dividido entre seus três filhos. No final do século IX, formaram-se dois reinos carolíngios, o Reino Franco Ocidental (França) e o Reino Franco Oriental (Alemanha, Áustria e norte da Itália, originando o Sacro Império Romano Germânico, no século X). Conseqüências: enfraquecimento da monarquia e fortalecimento da nobreza (duques, condes e marqueses), que adquiriu grande autonomia.

2.4 A segunda invasão bárbara (séculos IX-X)

A segunda invasão bárbara foi constituída pelos ataques e migrações dos normandos (vikings, vindos da Escandinávia), húngaros (magiares, nômades vindos da Rússia) e sarracenos (muçulmanos árabes e berberes do Norte da África), responsáveis por novas pilhagens e destruições. A segunda invasão bárbara consolidou o feudalismo. Os ataques dificultaram o comércio no Ocidente e deixaram várias regiões isoladas, forçadas a adotar uma economia de subsistência. A impotência dos monarcas, sobretudo na França, aumentou o clima de insegurança e fez com que muitos indivíduos procurassem a proteção da nobreza, em um processo chamado de recomendação – a pessoa ficava sob a proteção de um nobre e, em troca, passava a trabalhar para ele, em um estado de dependência que tendia a reduzir sua liberdade. Reis e nobreza, nobres e outros nobres, estabeleceram uma série de acordos com obrigações recíprocas, desenvolvendo a vassalagem.


2.5 O feudalismo

a) O problema conceitual

Não há acordo entre os historiadores sobre o que foi o feudalismo (alguns sugerem até mesmo a abolição do termo). A visão mais generalizada procura defini-lo como um “sistema” (o sistema feudal) – um conjunto de elementos econômicos (agricultura de subsistência), sociais (servidão, divisão estamental da sociedade), políticos (descentralização, suserania e vassalagem) e ideológicos (teocentrismo católico, cultura guerreira) interligados, que teria sido típico da Europa Ocidental nos séculos XI-XIV e que entrou em decomposição na Idade Moderna com a expansão comercial, o absolutismo, a reforma religiosa, o humanismo etc. Outros preferem considerá-lo um modo de produção (modo de produção feudal), que pode existir com um Estado descentralizado ou centralizado – um tipo de economia agrária, dominada por uma nobreza de grandes proprietários rurais que sujeitavam os camponeses à servidão para poder explorá-los, com pouco ou muito comércio. Nesse sentido, o feudalismo seria um fenômeno mais generalizado e duradouro que continuou existindo na Idade Moderna, embora decadente diante da ascensão do capitalismo. É essa visão de regime feudal que é utilizada na expressão de “transição do feudalismo para o capitalismo” nos séculos XV-XVIII. Esse conceito de feudalismo costuma ser identificado ao regime senhorial (que, no entanto, não depende necessariamente da servidão para existir)

b) Aspectos gerais da Europa nos séculos IX-X

A economia agrária. A terra era a principal riqueza, predominando a produção de subsistência. O comércio era reduzido, baseado mais nas trocas do que no uso de moedas (que nunca desapareceram), e as cidades pouco desenvolvidas. Dois tipos de propriedade rural se destacaram:
O senhorio fundiário (manor): uma grande propriedade rural dominada por um senhor (um aristocrata, nobre ou membro do alto clero). O senhorio estava dividido em terras de uso exclusivo do senhor (reserva), lotes explorados pelos camponeses (tenências) e terras de uso comum.
– O alódio: uma pequena propriedade rural de um camponês livre e independente de um senhor.

Os senhores feudais. Era a classe dominante, possuidora dos senhorios, uma aristocracia constituída pela grande nobreza guerreira (duques, condes, barões) e clerical (bispos).

Os camponeses e o regime senhorial. Os camponeses eram a maioria absoluta da população. Alguns viviam em alódios e eram totalmente independentes mas a maior parte vivia nos senhorios, submetidos ao regime senhorial: eles ocupavam um lote de terra, possuíam família, instrumentos de trabalho e animais. Trabalhavam para a sua subsistência, mas também produziam excedentes para o senhor por meio de serviços gratuitos (corvéia) nas terras reservadas ao aristocrata e com o pagamento de diversos impostos em produtos ou dinheiro (talha: obrigação de entregar parte da produção da tenência camponesa; banalidade: taxa pelo uso do moinho e forno do senhor). Esses camponeses dos senhorios podiam ser de dois tipos: servos (semi-livres, presos à terra), que eram a maioria (predomínio da servidão), e vilões (livres).

A sociedade estamental. A sociedade da Europa Ocidental na Alta Idade Média era constituída basicamente por senhores e camponeses, com baixa mobilidade social. Mas a partir do século XI o crescimento do comércio e das cidades permitiu a ascensão dos mercadores ou comerciantes (a burguesia). Foi então elaborada uma ideologia para justificar a separação entre os senhores e os burgueses enriquecidos, legitimando os privilégios da nobreza e do clero. A sociedade passou a ser vista como dividida em estamentos, estados ou ordens: grupos sociais hierarquizados de acordo com a função de cada um.
      Primeira ordem: clero (sacerdotes ou oratores), responsável pela vida religiosa e espiritual.
       Segunda ordem: nobreza (guerreiros ou bellatores), encarregada da defesa.
      Terceira ordem: povo (trabalhadores, incluindo a burguesia ou laboratores), encarregados do trabalho.

A descentralização política. Reis fracos, o poder estava fragmentado entre os nobres e bispos. Os senhores, sobretudo a nobreza guerreira, estavam ligados pelas relações feudo-vassálicas ou de suserania e vassalagem, razão dos senhores ficarem conhecidos como senhores feudais. O feudo era um bem que um senhor doava para outro senhor ou para um cavaleiro, permitindo o seu sustento, em troca da sua fidelidade e serviços, sobretudo militares. Suserano era o senhor que doava o feudo e vassalo era o senhor ou cavaleiro que o recebia. A homenagem eram os ritos que selavam a aliança e o compromisso de suserania-vassalagem, em um acordo considerado sagrado.

A ideologia religiosa. A religião legitimava a estrutura social (a servidão, os estamentos vistos como parte de um desígnio divino) e política (a realeza, os laços de suserania e vassalagem, baseados em juramentos em nome de Deus).

3. O Oriente Próximo na Idade Média

3.1 O Império Bizantino

O Império Bizantino ou Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla (Bizâncio), tinha seu núcleo na Ásia Menor e na Grécia. Em seu apogeu (século VI), ele dominou a Síria-Palestina, o Egito, a maior parte do Norte da África, a Itália e o sul da Espanha, estabelecendo a hegemonia marítima e comercial no Mediterrâneo. Herdeiro das tradições políticas romanas combinadas com o despotismo dos reinos helenísticos do Oriente, o Império Bizantino possuía uma monarquia centralizada teocrática (cristã) com leis baseadas no direito romano. Com efeito, sua cultura era uma síntese de elementos romanos, gregos, orientais e cristãos, com uma forte presença da Igreja Ortodoxa Grega ou Bizantina. Chefiada pelo patriarca de Constantinopla (nomeado pelo imperador), a Igreja Bizantina era subordinada ao Estado e independente de Roma, com quem possuía mais divergências de natureza política do que religiosa.

a) Principais momentos

527-565. Reinado de Justiniano. Expansão territorial e conquista de províncias no Ocidente visando restabelecer o Império Romano. Criação do Corpus Juris Civilis (codificação do Direito Romano) e do Codex Justinianus (o Código de Justiniano, reunindo as constituições imperiais).

635-710. Invasão árabe muçulmana. Bizâncio perde a Síria, Palestina, Egito e o norte da África.

726-843. A controvérsia iconoclasta. Vários imperadores tentam proibir o uso e a veneração de imagens e ícones mas fracassam diante da resistência popular.

850-1050. Nova expansão bizantina, sob a dinastia Macedônica, que anexou territórios nos Bálcãs.

1054. Cisma do Oriente. Ruptura da unidade cristã, com a separação definitiva entre Igreja Ortodoxa (patriarca Miguel Cerularius) e a Igreja Católica (papa Leão IX).

1070-1095. Invasão dos turcos seldjúcidas. A Ásia Menor é invadida pelos turcos, seguidores do islamismo. Os bizantinos são derrotados na Batalha de Manzikert (1071) e buscam uma aliança com o Ocidente, resultando no movimento das Cruzadas.

1204. Quarta Cruzada. Liderados por Veneza, os cruzados desviam-se de seus objetivos anti-muçulmanos e conquistam Constantinopla.

1204-1261. Império Latino. O Império Bizantino é dividido entre os cruzados e governado pela nobreza ocidental.

Séculos XIII-XIV. Florescimento artístico. Mas o Império Bizantino fica mais fraco, é invadido pelos turcos otomanos e tem seu território reduzido drasticamente.

1453. A queda de Constantinopla. Os turcos, sob o comando de Maomé II, conquistam Constantinopla (morte do imperador Constantino XI). A cidade (depois chamada de Istambul) virou capital do Império Turco Otomano.

b) A herança bizantina

O Império Bizantino preservou a tradição humanista grega e o Direito Romano, redescobertos pelo Ocidente durante as Cruzadas A chegada de refugiados bizantinos à Itália que fugiam dos turcos, contribuiu para o Renascimento Cultural italiano (séculos XV-XVI). Além disso, a Igreja Ortodoxa difundiu o cristianismo pela Europa Oriental, sobretudo na Rússia e nos Bálcãs. Depois da destruição do Império Bizantino, o Reino da Rússia herdou várias de suas tradições políticas e religiosas: o título de imperador (czar ou tsar, “caesar”), a monarquia teocrática, a Igreja Ortodoxa (Russa), Moscou vista como uma “nova Roma” etc.

3.2 Os árabes e o islamismo

a) A Arábia Pré-Islâmica

Os árabes (falantes do árabe, língua semita aparentada com o hebraico e aramaico) não eram os únicos habitantes da Arábia (Península Arábica) no início da Idade Média. Outros povos não-árabes viviam na região, principalmente no sul e no leste, embora a maioria também falasse línguas semitas. A arabização (adoção da língua árabe por povos não-árabes) da Arábia começou antes do islamismo, com a expansão de tribos árabes para o leste e o sul da península nos séculos I aC - II dC. A expansão do islamismo no século VII ampliou a arabização da Península Arábica: ao longo da Idade Média, os diversos povos da Arábia transformaram-se em um único grupo étnico.

Aspectos políticos. A Arábia pré-islâmica estava dividida em pequenos Estados (reinos, cidades-estados) e grupos nômades tribais (beduínos). As comunidades sedentárias estavam mais no sul, no Golfo Pérsico, na costa e proximidades do Mar Vermelho, e nos territórios adjacentes dos Impérios Bizantino e Persa. As comunidades nômades estavam espalhadas por toda Península Arábica, principalmente no interior.

Aspectos culturais. Até o final do século IV dC, a grande maioria da população da Arábia era pagã e seguia o politeísmo. Comunidades de judeus e de cristãos existiam em algumas localidades, difundido conceitos monoteístas e as tradições bíblicas. 

O papel de Meca. Meca era uma cidade-estado pagã na parte centro-ocidental da Arábia, na rota das caravanas, governada pela tribo dos coraixitas, que possuía um importante haram (enclave sagrado) – a Caaba, um santuário com vários ídolos. Entre os ídolos estava a Pedra Negra que, segundo uma antiga tradição monoteísta local, de influência judaica, foi dada por Deus a Adão. Essa mesma tradição monoteísta também afirmava que Abraão e seu filho Ismael viveram em Meca em tempos remotos.

b) Maomé e o nascimento do islamismo

O islamismo é uma religião monoteísta criada pelo profeta Muhammad ibn Abdallah ou Maomé (570-632), um comerciante de Meca, do ramo hashimita dos coraixitas. Maomé possuía o hábito de meditar em uma pequena caverna no morro de Hira, próximo de Meca, e foi em meio a essas meditações que ele recebeu a revelação divina, segundo os muçulmanos. Principais momentos do nascimento do islamismo:

610. Início da revelação divina a Maomé. Recebida do anjo Gabriel. Maomé era o “Mensageiro” e “Profeta” de Alá, escolhido por Deus para receber a revelação divina e levá-la aos homens, como no passado fizeram Abraão, Moisés e Jesus.

613-622. Maomé prega em Meca. Idéias: monoteísmo, iconoclastia (contra a adoração de imagens) e auxílio aos pobres. Entra em conflito com os coraixitas, que controlavam o comércio local e que temiam que ele espantasse os peregrinos de Meca.

622. A Hégira. Maomé e seus seguidores emigram de Meca para Iatreb (rebatizada Medina). Esse acontecimento é considerado o Ano 1 do calendário islâmico.

630. Maomé conquista Meca. Ele destrói os ídolos, mas mantém a Caaba e a Pedra Negra.

630-632. Maomé unifica a maior parte da Arábia. Utilizando a religião, as conversões de tribos e as guerras. Morreu em 632, depois de lançar as bases de um Estado teocrático islâmico.

c) Características do islamismo:

Islã (Islam): “submissão” (à vontade de Deus). Quem aceita o Islã, tornando-se seguidor do islamismo, passa a pertencer a ummah, a comunidade dos fiéis.

Muçulmano (muslim): “fiel, entregue a Deus”, seguidor do islamismo.

Corão ou Alcorão (Al-quran, “a leitura”): livro sagrado que contém a doutrina muçulmana, as mensagens que Maomé recebeu de Deus. Para seus seguidores, o islamismo não seria uma nova religião, mas o antigo monoteísmo restaurado em sua pureza original (transmitido por Abraão, Moisés e Jesus, considerados profetas antecessores de Maomé), que os judeus e cristãos haviam deturpado.

A Fé (iman): crença em um único Deus (Alá), nos seus profetas (o último foi Maomé), em anjos, no Alcorão, no Juízo Final e na Ressurreição.

Deveres do muçulmano: oração, peregrinação à Meca para rezar na Caaba, jejum no mês do Ramadã, ajuda aos pobres.

Jihad (esforço ou empenho): que pode assumir a forma de “guerra santa” (expansão e conversão pela conquista) muçulmana contra os infiéis, defendida principalmente pelos sucessores de Maomé (califas).

Sunnah: costumes e tradições baseadas nas ações e palavras de Maomé, recolhidas pelos seus seguidores, que complementam a mensagem divina do Alcorão.

Shariah: lei islâmica, baseada no Alcorão, na sunnah e na jurisprudência (fiqh, normas estabelecidas a partir de casos não previstos no Alcorão e na sunnah).

d) A expansão muçulmana

A expansão árabe (séculos VII-XI). Causada pelo crescimento populacional na Arábia e pelo ideal de jihad, foi favorecida pelos confrontos que enfraqueceram os impérios bizantino e persa (sassânida). A expansão foi liderada pelos califas (“sucessores” de Maomé), soberanos muçulmanos com autoridade religiosa e política. O Oriente Médio, o norte da África e a Península Ibérica foram conquistados, arabizadas e islamizadas. A civilização árabe dividiu-se em vários reinos, que absorveram parte da cultura e tradições bizantinas, helenísticas e persas. O apogeu do poder árabe islâmico foi com a dinastia Abássida (califa Harun al-Rashid, 786-809), que adotou costumes da corte persa e fundou Bagdá como capital.

A expansão turca (séculos XI-XVII). Povo nômade originário da Ásia Central, convertido ao islamismo, os turcos conquistaram a maior parte do Oriente Médio e do Norte da África, dominando os árabes. Nos séculos XI-XIII, os turcos seldjúcidas enfrentaram as Cruzadas. Nos séculos XIV-XVII, os turcos otomanos conquistaram o Império Bizantino, os Bálcãs e a maior parte dos territórios árabes. Seu império entrou em decadência no século XVIII-XIX e foi dissolvido depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

e) A divisão religiosa do islamismo

Como no cristianismo e em outras religiões, o islamismo dividiu-se em diversas correntes, sendo duas principais: sunismo e xiismo.

Sunitas. Muçulmanos que, além de seguirem o Alcorão, consideram que a sunnah é uma outra fonte importante para a organização da comunidade islâmica. Os sunitas defendem que qualquer muçulmano que reúna sólidas virtudes (honra, respeito pelas leis, capacidade de trabalho) pode ser o chefe do Estado islâmico. A autoridade religiosa do governante islâmico, segundo os sunitas, é baseada em um consenso (ijma) da interpretação do Islã. É a corrente majoritária do islamismo (85% dos muçulmanos do mundo).

Xiitas. Muçulmanos que, embora reconheçam a sunnah, não dão a ela a importância dada pelos sunitas. Os xiitas defendem que a chefia do Estado muçulmano só pode ser ocupada por alguém que seja descendente de Maomé ou com ele aparentado. Acreditam que o chefe da comunidade islâmica é diretamente inspirado por Alá, sendo infalível, com os fiéis lhe devendo obediência incondicional. Na verdade, as diferenças doutrinárias entre sunitas e xiitas não são tão grandes como, por exemplo, as existentes entre muitas igrejas cristãs. De fato, o principal fator de identidade xiita é um sentimento de martírio e perseguição, iniciado com um episódio da história medieval islâmica chamado Massacre de Karbala (680), quando Husayn, neto de Maomé e líder de uma revolta contra o califa Muawiya, foi morto, junto com a maior parte da sua família e seguidores, em uma batalha no Iraque. Somente Ali, filho ainda criança de Husayn, sobreviveu. O episódio é comemorado todos os anos pelos xiitas, lembrado como o martírio da família de Maomé, em rituais religiosos de penitência e expiação. O xiísmo é uma corrente minoritária no conjunto do Islã, mas majoritária no Irã e Iraque.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

28 - Onze de Setembro

Segue um texto de Caio Blinder, publicado na Veja, sobre as versões fantasiosas dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA.

O terror do 11 de setembro e os atentados contra a verdade

O que aconteceu em 11 de setembro de 2001? Resposta simples e histórica: terroristas suicidas da rede Al Qaeda lançaram ataques nos EUA. Mas, como diz Christopher Hitchens, “é muito provável que aqueles que aceitam esta narrativa convencional são, pelo menos globalmente, a minoria”. Estamos, de fato, na era da desinformação, dos atentados às verdades mais elementares e da persistência das mais bizarras teorias conspiratórias, alimentadas na Internet.
A descrença no convencional sobre o 11 de setembro nestes dez anos não foi lugar-comum apenas no mundo muçulmano. Logo após os ataques, ganharam vida em todas as partes as bizarrices sobre um complô do governo americano e dos judeus (sempre eles). Havia a história que quatro mil judeus tinham sido alertados sobre os atentados e não apareceram para trabalhar naquele dia no World Trade Center, inicialmente publicadas no jornal sírio Al Thawra. Existem as fantasias detalhadas sobre o míssil que o próprio Pentágono disparou contra o Pentágono. Na França, o livro de Thierry Meyssan sobre a “mentira assustadora” do 11 de setembro foi best-seller, disparando esta fantasia sobre o míssil ou um pequeno avião investindo contra o Pentágono.
Arautos profissionais da paranóia na imprensa alternativa americana, de direita e de esquerda, se uniram para denunciar as tramas. Personagens folclóricos como o apresentador de rádio Alex Jones e o repórter conspiratório Michael Ruppert tinham certeza sobre os planos diabólicos do governo Bush para manufaturar os atentados. Tudo elementar: era preciso um pretexto para invadir o Afeganistão e o Oriente Médio, beneficiar a indústria petrolífera e de armamentos, forjar um estado fascista que suprimisse as liberdades civis e consolidar uma nova ordem mundial. Sacou? World Trade Center? Centro do Comércio Mundial.
Logo depois dos atentados, a maluquice popular nos EUA até que estava sob controle. Numa pesquisa no começo de 2002, apenas 8% acreditavam que o governo Bush, então muito popular, mentia sobre o que acontecera. Os números cresceram depois da guerra do Iraque diante do fato real de que o governo Bush, de fato, enganara sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein. O número de céticos sobre a narrativa convencional dos atentados do 11 de setembro saltou para 16% em 2004. Escaramuças burocráticas em Washington e esforços do governo (como acontecem em qualquer governo) para acobertar ou minimizar suas falhas na prevenção dos atentados também alimentaram as teorias conspiratórias.
Políticos da ala mais esquerdista do Partido Democrata deram munição para os conspiradores e Michael Moore com o seu documentário Fahrenheit 11 de Setembro foi uma festa para os paranóicos ao martelar nas conexões da família Bush com a Arábia Saudita e o clã Bin Laden. Por volta de 2007, pesquisas revelararam que até 1/3 dos americanos duvidavam da narrativa convencional sobre o 11 de setembro.
O tempo passou, Bush esvaneceu e Barack Obama assumiu a presidência. O ódio a um presidente foi transferido a outro. Um parte dos conspiradores sobre a verdade do 11 de setembro (os “truthers”) inclusive migrou para a nova conspiração sobre as falsidades na vida daquele “queniano” que mentira sobre ter nascido no Havaí. Hoje “só” uns 10% dos americanos não acreditam que a rede Al Qaeda tenha sido responsável pelos atentados. Um alerta deve ser feito: o campo continua fértil para teorias conspiratórias, de qualquer gênero, em tempos de incerteza econômica nos EUA, falta de confiança nas lideranças políticas e um descrédito sem precedentes das instituições, a destacar o governo federal.
E já que não dá para ter um final feliz para esta história, vamos para o mundo islâmico. Uma pesquisa de julho do Centro Pew confirma que, uma década depois, existe ceticismo no mundo islâmico sobre os eventos de 11 de setembro de 2001. A maioria dos muçulmanos acha inconcebível que árabes tenham sido responsáveis pelos ataques (numa descrença que inclui vergonha para assumir a verdade, crença no pacifismo da religião, desconfiança na capacidade técnica de árabes realizarem os atentados, preconceitos, antiamericanismo e antissemitismo). Dos 19 terroristas suicidas, 15 eram sauditas, dois dos Emirados Árabes Unidos, um libanês e um egípcio. A pesquisa englobou sete países e os territórios palestinos. Em nenhum deles, sequer 30% aceitam que árabes realizaram os ataques. Pior, muçulmanos na Jordânia, Egito e Turquia estão mais céticos hoje do que há cinco anos.
Um dos dados mais preocupantes, aliás, é que esta pesquisa foi feita com a primavera árabe em curso. E no mesmo revolucionário Egito que derrubou Hosni Mubarak existe o nivel mais alto de negação da realidade, com 75% dos egípcios registrando sua descrença que árabes tenham sido responsáveis pela obra de destruição.
Eric Trager, um especialista em Oriente Médio da Universidade da Pensilvânia, passou alguns meses no Egito, fazendo pesquisas e seu relato sobre a percepção do 11 de setembro é desolador. Islamistas encampam este revisionismo sobre o terror, pois reescrever a história é fundamental para desviar a acusação de que sua ideologia motiva o assassinato em massa. O ex-guia supremo da Irmandade Muçulmana, Mehdi Akef, disse para o incrédulo Trager “que não existe o terror da Al Qaeda, é uma expressão americana”. Na narrativa de Akef, os atentados do 11 de setembro representaram um ataque americano contra o Oriente Médio e existe uma política islamista de autodefesa.
Líderes mais jovens da Irmandade Muçulmana gostam da tese que os atentados do 11 de setembro, por sua sofisticação, só podem ter sido obra da CIA ou do Mossad. Mesmo líderes seculares, socialistas ou liberais no “novo Egito” também negam a responsabilidade da Al Qaeda. Mustafa Shawqui, da Coalizão da Juventude Revolucionária, disse a Trager que se tratou de maquinação para dominação global por interesses imperiais. Até o vice-primeiro-ministro do governo provisório, Ali ElSalmy, pisou na bola. Homem educado nos EUA, integrante do governo Sadat nos anos 70 e ex-vice-diretor da Universidade do Cairo, ele disse “não ter certeza sobre quem foi responsável pelos atentados”.
Dez anos depois dos atentados do 11 de setembro, é preciso impedir novos ataques e ainda por cima estes atentados à verdade em países com ou sem primavera árabe.
http://veja.abril.com.br/blog/nova-york/oriente-medio/o-terror-do-11-de-setembro-e-os-atentados-contra-a-verdade/

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

27 - Sete de Setembro

Segue um texto da historiadora Isabel Lustosa, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, sobre o 7 de Setembro. O texto foi publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

A invenção do 7 de Setembro

Quando se deu realmente a Independência do Brasil? Porque, quando consultamos os jornais de 1822, não há nenhuma referência ao que se passou nas margens do Ipiranga em 7 de setembro? Porque aquele episódio foi escolhido em detrimento de outros, quando sabe que, em 1822, a data tomada como marco da Independência foi o 12 de outubro, dia do aniversário de dom Pedro I e de sua aclamação como imperador? Essas e outras questões foram respondidas, em artigo de enorme valor acadêmico, porém pouco conhecido, publicado em 1995, pela historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Intrigada com o silêncio da documentação e das publicações do ano de 1822 sobre o 7 de setembro, Lourdes Lyra devassou essa história e estabeleceu ponto por ponto o processo e os interesses envolvidos na escolha do 7 de setembro como data da Independência. Um ponto que merece realce é que os documentos que supostamente dom Pedro I teria lido às margens do Ipiranga no dia 7 só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de setembro. Outro é que o primeiro relato detalhado do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, em momento de desprestígio do imperador diante dos brasileiros que tinham feito a Independência e que se indignaram com as bases do tratado assinado com Portugal.

Relatos tardios

A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização. O patente interesse de dom Pedro em conservar seus direitos à sucessão do trono de Portugal, que essa fórmula do tratado revelava, apontava no sentido de uma posterior reunificação dos dois reinos.

Um príncipe que se declarara constitucional, que desde o Fico (9 de janeiro de 1821) vinha sendo aclamado até pelos setores mais liberais, que rompera com Lisboa e convocara eleições para uma Assembleia Constituinte, tão amado que recebera da Câmara o título de Defensor Perpétuo do Brasil, fora pouco a pouco se convertendo num tirano. Primeiro, ao dissolver a Assembleia Constituinte, depois, pela forma violenta com que reprimiu a Confederação do Equador e, finalmente, pela assinatura do vergonhoso tratado.

É nesse contexto que a escolha do 7 de setembro como data da Independência ganha sentido. Segundo Lourdes Lyra, até então tinham sido consideradas as seguintes datas decisivas para o processo: o 9 de janeiro, dia do Fico; o 3 de maio, dia da inauguração da Assembleia Constituinte Brasileira; e o 12 de outubro, dia da Aclamação. Foi o esforço concentrado do Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) do Rio de Janeiro, durante o mês de setembro de 1822, enviando mensagem às Câmaras das principais vilas do Brasil – num tempo em que eram as vilas e cidades as instâncias decisivas da política portuguesa –, que fez com que, na fórmula consagrada, constasse que dom Pedro fora feito imperador pela "unânime aclamação dos povos". Foi o apoio das Câmaras e de setores da elite e do povo do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais que deu forças ao príncipe para se contrapor às decisões de Lisboa.

Segundo bem demonstra Lourdes Lyra, a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império. Essa obra in progress foi reforçada ainda naquele ano pela publicação do famoso relato do padre Belchior, a primeira descrição minuciosa dos fatos que se verificaram às margens do Ipiranga por uma testemunha ocular da História. Ao lado deste, dois outros relatos publicados bem mais tarde por membros do grupo que acompanhou dom Pedro a São Paulo passariam a ser a fonte privilegiada para o estudo da data.

Entusiasmo similar

O coroamento da obra se deveria ao Visconde de Cairu, intelectual respeitado que se conservou sempre aos pés do trono. Em sua História do Brasil, publicada em partes entre 1827 e 1830, Cairu afirma que a Independência do Brasil foi "obra espontânea e única" de dom Pedro, que a tinha proclamado "estando fora da Corte, sem ministros e conselheiros de Estado, sem solicitação e moral força de requerimento dos povos".

Estava entronizado o mito do herói salvador, e postos na sombra os outros protagonistas, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo e os membros de todas as Câmaras que impulsionaram e sustentaram o príncipe em suas decisões. Sem esse poderoso elenco de coadjuvantes, ao contrário do que afirma Cairu, não teria ocorrido a Independência.

É interessante como símbolos forjados a partir de circunstâncias fortuitas se podem transformar com o tempo. Prova de que na memorabilia pátria menos que os fatos importam o peso que a tradição lhes imprimiu. Foi assim, durante todo o Império com a Constituição de 1824. O gesto de sua criação – ela foi outorgada, e não resultou da deliberação de uma Assembleia – não impediu que ela fosse respeitada e sacramentada até muito depois da deposição de dom Pedro I. O mesmo se deu com o 7 de setembro. A data impôs-se sobre as demais, hoje esquecidas, e continuou a ser festejada com o mesmo entusiasmo depois da abdicação, em 7 de abril de 1831, e bem depois de proclamada a República.

Publicado originalmente em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a-invencao-do-7-de-setembro

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

26 - Roma

1. Periodização da história de  Roma

 A história de Roma Antiga costuma ser dividida em três períodos baseados em critérios políticos: a Realeza (753-509 aC), fase do nascimento de Roma e de seus primórdios como uma cidade-estado latina, sob forte influência dos etruscos; a República (509-27 aC), fase do apogeu da cidade-estado romana e da sua expansão territorial, estabelecendo um grande império; e o Império (27 aC-476 dC), fase da transformação do Estado romano em uma nova monarquia controlando um imenso território e da cristianização da cultura romana.

2. A República (509-27 aC)

 No final do século VI aC, a aristocracia romana (patrícios) derrubou a monarquia e instalou uma república oligárquica governada por dois cônsules eleitos. A principal instituição política, entretanto, era o Senado (Conselho), dominado pelos chefes das famílias mais poderosas, que controlavam também uma ampla clientela (os clientes eram cidadãos dependentes da ajuda econômica e jurídica dos patronos, indivíduos ricos e influentes).  No séculos V aC, a legislação republicana assegurou aos patrícios o monopólio dos cargos políticos.

As lutas entre patrícios e plebeus (494-287 aC). A exclusão dos plebeus (cidadãos não-patrícios) do poder político, em um contexto de crescimento da população e da escravidão por dívidas, resultou em uma série de conflitos entre a plebe e o patriciado. Gradualmente, os patrícios aceitaram fazer concessões: leis escritas (Lei das XII Tábuas, 450 aC), permissão de casamentos entre patrícios e plebeus (Lei Canuléua, 445 aC), fim da escravidão por dívidas e isonomia, mas Roma continuou sendo uma oligarquia dominada pelo Senado (nobreza senatorial, composta pela fusão entre famílias patrícias e plebéias ricas).

A expansão territorial romana (séculos V-I aC). A expansão territorial romana transformou Roma na capital do mais famoso império da história. A expansão foi motivada por um conjunto de fatores econômicos e políticos: a busca de terras, pilhagens e escravos; a procura do controle de vias estratégicas e comerciais; as disputas pela hegemonia com os Estados rivais; e as guerras preventivas de defesa, implicando em destruir e conquistar um rival que ameaçava ou poderia ameaçar Roma. O momento mais famoso e decisivo da expansão imperialista romana foram as Guerras Púnicas (264-146 aC), quando Roma conquistou o império de Cartago (Noroeste da África e Península Ibérica) e dominou o Mediterrâneo Ocidental. Nos séculos II-I aC, os romanos incorporaram o Mediterrâneo Oriental (incluindo a Grécia) e a Gália (França) ao seu império. O Mar Mediterrâneo foi transformado em um “mar romano”(mare nostrum). Apesar das pilhagens, as conquistas romanas estimularam o crescimento da população, do comércio e das cidades e a formação de latifúndios. Uma nova elite de cidadãos enriquecidos (“homens novos” ou cavaleiros) surgiu, desafiando o poder da nobreza senatorial. Contudo, a escravidão também aumentou (prisioneiros de guerra) e as exigências de prestação de serviço militar dos camponeses pequenos proprietários arruinaram essa camada social (até o século II aC, o serviço militar não era remunerado). O êxodo rural intensificou-se e uma nova categoria de cidadãos foi formada – o proletariado (cidadãos sem renda).

A crise da República (séculos II-I aC). Em 135-30 aC, em meio às as conquistas territoriais, a República romana mergulhou em uma crise social e política. O regime republicano tinha ficado inadequado para governar o império que ele próprio havia criado. A aristocracia dividiu-se em facções rivais que passaram a disputar o poder de forma cada vez mais violenta. O exército, originalmente composto por uma milícia de cidadãos-soldados auto-equipados, transformou-se em uma força profissional permanente, comandada por políticos ambiciosos (os “políticos generais”) que estabeleceram relações de clientelismo com suas tropas, pagas com as riquezas obtidas nas conquistas. O crescimento da escravidão foi acompanhado por revoltas de escravos. A plebe aumentou a pressão por reforma agrária, e muitos políticos viram na promessa de distribuição de terras um meio de conseguir apoio para suas carreiras.

Primeira Guerra Servil (135-132 aC). Foi a primeira grande revolta de escravos da história romana. Ocorrida na Sicília, a rebelião foi sufocada pelos romanos, mas gerou um clima de insegurança em Roma.

O movimento de reforma agrária (133-121 aC). Os cidadãos descontentes passaram a exigir uma redistribuição de terras. Os tribunos (defensores) da plebe, Tibério e Caio Graco, lideraram um movimento de reforma agrária que, no entanto, fracassou diante da resistência da nobreza (assassinato dos irmãos Graco). Como alternativa, a classe política romana adotou a política do pão e circo – a distribuição pelo governo e pelos políticos de comida e diversão (jogos, lutas, espetáculos) baratas ou gratuitas para a plebe urbana, sobretudo o proletariado.

As guerras civis (87-30 aC). A ascensão dos políticos-generais deixou o Senado enfraquecido. As disputas pelo poder entre os generais, apoiados por facções rivais de senadores, desencadearam guerras civis. Homens novos foram envolvidos e o proletariado urbano mobilizado com o pão e circo. Os primeiros conflitos armados foram entre Mário e Sila (87-79 aC), com o último, representante da nobreza senatorial mais conservadora, prevalecendo. Quando a situação parecia estar estabilizada, estourou a maior rebelião de escravos da história romana – a revolta de Spartacus (um gladiador) ou Segunda Guerra Civil, em 73-71 aC, também sufocada. Os políticos-generais tentaram dividir o poder entre si e estabeleceram os triunviratos. O Primeiro Triunvirato (60-53 aC) foi composto por Pompeu, Crasso e Júlio César. Mas depois da morte de Crasso (53 aC), a rivalidade entre Pompeu e Júlio César desencadeou uma nova guerra civil (49-45 aC), vencida por César. Júlio César instalou uma ditadura com apoio popular e tentou centralizar o poder, mas foi assassinado por senadores conservadores (44 aC). Um Segundo Triunvirato foi formado pelos cesaristas Marco Antônio, Otávio (sobrinho e herdeiro de César) e Lépido em 43-36 aC, mas fracassou em assegurar uma nova ordem política. Lépido foi afastado do poder, que foi disputado por Otávio e Marco Antônio, na última e mais importante guerra civil da República (32-31 aC). Otávio, controlando as partes ocidentais do império romano, contou com apoio do Senado e apresentou-se como defensor da República. Marco Antonio e sua aliada, a rainha Cleópatra VII do Egito, dominavam o Oriente, representando as tradições helenísticas. Otávio venceu os rivais (que suicidaram) e conquistou o Egito, encerrando a guerra civil. Com sua vitória, Otávio adquiriu um enorme prestígio e riqueza (tomou o tesouro de Cleópatra VII) e ampliou o seu poder sobre Roma, governando-a por mais de quatro décadas. Oficialmente considerado o restaurador e pacificador da República, Otávio, na prática, sepultou o regime republicano tradicional e inaugurou uma nova era da política romana – a era dos imperadores.

3. O Império Romano (27 aC – 476 dC)

O Império ou governo dos imperadores (27 ac – 476 dC), inaugurado por Otávio, representou uma nova fase da história de Roma antiga. A estrutura política ficou centralizada e assumiu feições monárquicas autoritárias. A burocracia foi ampliada e as despesas militares cresceram, não só pela necessidade de novas conquistas mas, principalmente, para defender as fronteiras imperiais. O cristianismo nasceu no Império, propagou-se e acabou sendo adotado como religião oficial dos romanos.

3.1 O Alto Império (séculos I-II)

O Alto Império foi o período do apogeu do Império Romano e da civilização clássica pagã, caracterizado pela a Pax Romana (relativa paz interna com poucas disputas violentas pelo poder) e pela prosperidade econômica assentada na exploração de escravos. As cidades floresceram e os contatos comerciais com o Oriente cresceram, desenvolvendo-se a Rota da Seda e das especiarias que ligaram o Mediterrâneo à Índia e China, passando por vários intermediários na Ásia Central. As conquistas territoriais cessaram no século II, quando o Império alcançou a sua máxima extensão. O governo imperial, ainda que centralizado, preservou uma aparência republicana e ficou conhecido como principado.

a) Governo de Otávio Augusto (30 aC – 14 dC)

Com apoio do exército, do Senado e do povo, Otávio acumulou títulos e cargos, entre eles o de imperador (“comandante vitorioso”), Augusto (“divino”; com o tempo, Otávio passou a ser chamado apenas de Augusto, como se fosse um nome próprio), Príncipe (“primeiro entre iguais” ou “o primeiro dos cidadãos”, título recebido em 27 aC, inaugurando oficialmente o Principado), César (em homenagem ao seu tio Júlio César) e Sumo Pontífice ou Pontífice Máximo (supremo sacerdote de Roma). De Otávio (Augusto) em diante, os governantes de Roma foram chamados de imperadores e césares.

b) A religião pagã romana

 “Paganismo” é a designação dada pelo cristianismo a todas as religiões pré-cristãs politeístas (crença na existência de várias divindades), dualistas (crença na existência de dois princípios divinos opostos e adversários) e animistas (crença na existência de espíritos que animam a natureza e os fenômenos naturais). Em Roma, a religião pagã era politeísta, com vestígios de um antigo animismo de tempos primitivos. Vários de seus deuses – quase todos cultuados nas outras cidades latinas e alguns entre os etruscos – foram identificados às principais divindades gregas. Os sacerdotes eram funcionários do Estado (destacando-se o pontifex maximus, o “sumo pontífice”, eleito desde o século III aC), mas os principais magistrados também eram responsáveis por algumas cerimônias e atos religiosos.

Com o advento do Império, o culto do imperador foi estabelecido. Inicialmente, o imperador era visto como protetor de Roma, presenteando os romanos com a segurança e a ordem. Depois de sua morte, ele era deificado. Com o tempo, o imperador passou a ser tratado como divindade durante sua vida.

c) As religiões de mistério

           As antigas religiões de mistério eram religiões que ofereciam experiências individuais e de salvação que os cultos públicos oficiais não ofereciam (sentido da vida, questão da origem do universo, segredos do ciclo da vida e da morte, em geral, associados à idéia de renascimento). Elas tinham origem grega e oriental, como o culto do deus Dionísio ou Baco (daGrécia), da deusa Cibele ou Magna Mater, a Grande Deusa Mãe (da Anatólia), o culto do deus Sol (da Síria), o culto da deusa Ísis (do Egito) e o culto do deus Mitra (da Pérsia). Esses cultos tinham uma forte tendência ao henoteísmo: adoração de uma única divindade, considerada suprema, sem negar a existência de outros deuses.

d) Surgimento e propagação do cristianismo

          Das religiões de salvação propagadas no Império Romano a mais bem-sucedida foi o cristianismo, uma religião monoteísta derivada do judaísmo e centrada na figura de Jesus de Nazaré ou Jesus Cristo (6 ou 4 aC – 29 ou 33 dC), que pregou na Galiléia e na Judéia, regiões da Palestina sob controle romano. No reinado de Tibério, Jesus foi crucificado em Jerusalém por ordem dos romanos a pedido dos sacerdotes judeus, que o consideraram um blasfemador e uma ameaça à ordem local.

Antecedentes: o judaísmo. O judaísmo costuma ser considerado a primeira religião monoteísta da história. O conjunto dos seus principais textos religiosos constitui o Tanakh que, com variações, corresponde ao Antigo Testamento da Bíblia cristã. As origens mais remotas do judaísmo encontram-se no culto a Javé ou Iavé (YHWH), criado pelos israelitas (agrupamento tribal de hebreus) no II milênio aC, na Palestina. A tradição judaica afirma que o culto foi estabelecido por Abraão, líder ou patriarca considerado o ancestral dos israelitas, dos ismaelitas (antepassados dos árabes) e de diversos outros povos de língua semita do Sinai, da Palestina, da Jordânia e da Península Arábica. A essência do culto javista foi o pacto ou aliança sagrada entre Deus (Javé) e Israel (a nação ou conjunto dos israelitas). Em troca de uma rigorosa obediência a Deus (suas Leis ou instruções divinas, sendo o monoteísmo a mais importante delas), os israelitas receberiam sua proteção e um território (a Terra Prometida, identificada com Canaã, atual Palestina). O javismo foi o principal fator de unidade e identificação étnica dos israelitas: Javé virou o deus nacional de Israel e os israelitas o povo escolhido ou eleito por Deus. Por volta do ano 1000 aC, Jerusalém virou a capital do antigo Estado de Israel, adquirindo um caráter de cidade sagrada, sobretudo com a construção de um grande templo pelo rei Salomão. No primeiro milênio aC, o javismo passou por diversas adaptações, acompanhando as vicissitudes políticas do Estado israelita. No século X aC, os israelitas ficaram divididos em dois reinos: Israel no norte (capital Samaria) e Judá no sul (capital Jerusalém). Os assírios destruíram Israel no século VIII aC. Judá sobreviveu precariamente por mais dois séculos, transformando-se no principal herdeiro das tradições monoteístas do javismo. O termo judeu, inicialmente referente ao habitante de Judá, passou a ser sinônimo do seguidor do monoteísmo javista. No século VI aC, os babilônios conquistaram Judá e destruíram o templo de Jerusalém. Muitos judeus foram enviados para a Babilônia (o “Cativeiro da Babilônia”), mas uma parte deles retornou a Jerusalém, em 538 aC, depois que os persas conquistaram o império babilônico. Foi no retorno do exílio que ocorreu uma grande renovação religiosa, levando o javismo a se transformar no judaísmo – a religião monoteísta da Lei ou Torá (a lei sagrada vista como dádiva de Deus), baseada nos livros do Tanakh. De acordo com o judaísmo, toda a vida do povo judeu é determinada pela Lei que, sendo rigorosamente seguida, permitirá a salvação. Seu conhecimento, exposição e interpretação passou a ser feita nas sinagogas. O Templo foi parcialmente reconstruído e seu sumo-sacerdote virou o líder religioso da comunidade judaica. No período helenístico, os judeus conseguiram recuperar por breve tempo sua soberania, até serem dominados pelos romanos no século I aC. A dominação estrangeira (persa, greco-macedônica e romana) gerou uma profunda crise espiritual entre os judeus, divididos em facções religiosas. Nesse contexto ganhou força a idéia da vinda de um Salvador divino – um rei ungido (messias), descendente de Davi, o mais popular monarca da antiga monarquia israelita unificada. Esse Salvador libertaria os judeus da dominação estrangeira e restauraria a glória de Israel.

A doutrina cristã. Os cristãos acreditam que Jesus ressucitou e ascendeu aos céus, junto de Deus, como apresentado no Novo Testamento, a principal fonte da doutrina cristã. A crença de que Jesus era divino, que morreu para salvar a humanidade de seus pecados e que ressucitou virou o aspecto central da doutrina cristã.
Jesus pregou entre os judeus que, por seu intermédio, o Reino de Deus ou Reino dos Céus estava começando no mundo, um reino divino que iria libertar os homens da dor e da miséria terrenas. Era fundamental acreditar nisso e, portanto, arrepender-se dos pecados e amar ao próximo. Para os fiéis, a morte de Jesus não invalidou a sua mensagem, mas revelou que a conclusão da instalação do Reino de Deus ocorreria com a parúsia – a segunda vinda de Cristo a terra, em um futuro próximo. De fato, a maioria dos cristãos considera Jesus a encarnação de Deus, que veio ao mundo para salvar a humanidade do pecado, sacrificando sua vida por ela. A sua ressurreição confirmaria seu caráter divino e demonstraria, para os crentes, a possibilidade de renascer do pecado – a libertação ou salvação espiritual. Daí Jesus ser chamado de Cristo ou Messias (o “ungido”), Salvador e Filho de Deus. Essa mensagem de fé – a “boa nova” ou evangelho – precisava ser transmitida para toda a humanidade, transformando o cristianismo em uma religião missionária marcada por um forte proselitismo (atividade de converter as pessoas a uma religião). Embora Jesus tenha enfatizado mais a salvação dos judeus do que a dos gentios (os não-judeus), não os excluiu totalmente do Reino de Deus. Na verdade, foi a partir da obra e das ações de Saulo de Tarso ou Paulo (5-68), que destacou a importância da morte e ressurreição de Jesus para a salvação da humanidade, que o cristianismo assumiu um caráter mais universalista, voltado para a evangelização dos gentios.

A igreja. Os cristãos organizaram-se em uma comunidade ou assembléia (eclésia ou igreja) de fiéis, inicialmente restrita a Jerusalém. Na medida em que o cristianismo se espalhou pelo Império Romano, facilitado pela Pax Romana, diversas comunidades ou igrejas foram sendo constituídas, principalmente nas cidades (até o final da Antiguidade, o cristianismo foi mais uma religião urbana do que rural). As mais importantes foram as de Roma, Alexandria e Antioquia que passaram a liderar as comunidades cristãs em escala regional. Naturalmente, a igreja de Roma reivindicou a hegemonia sobre as demais pelo fato de estar sediada na capital do Império e por ter sido fundada , segundo a tradição cristã, por Pedro – o discípulo que foi considerado herdeiro da liderança de Jesus. As igrejas eram chefiadas pelos bispos e com o seu crescimento passaram a possuir uma hierarquia de sacerdotes – o clero sacerdotal.

As relações dos cristãos com o Império. No Alto Império, a expansão do cristianismo acabou provocando atitudes hostis por parte não só do governo romano, mas da própria população pagã. As razões disso estão no fato dos cristãos recusarem a fazer sacrifícios às divindades romanas e não reconheceram o caráter divino dos imperadores (fato mais acentuado do século II em diante). Esse comportamento dos cristãos passou a ser visto com desconfiança e foi considerado responsável por algumas catástrofes (incêndios, epidemias etc), às vezes atribuídas à cólera dos deuses. Diante disso, os cristãos começaram a ser perseguidos, presos e executados em público. A primeira perseguição ocorreu no reinado de Nero, em 64 e continuou de forma esporádica até o Baixo Império, quando as repressões anticristãs mais extensas e violentas foram desencadeadas.

3.2 O Baixo Império (séculos III-V)

O Baixo Império foi o período da decadência econômica e militar de Roma e da transformação da civilização clássica greco-romana. O cristianismo continuou a expandir-se e foi adotado pelo Estado como religião oficial do Império Romano. As guerras civis retornaram (disputas pelo cargo imperial) e tornaram-se frequentes. A decadência econômica foi mais intensa na parte ocidental do império e contribuiu para o enfraquecimento das defesas daqueles territórios contra os ataques bárbaros. Até meados do século IV, o exército romano estacionado no Ocidente era superior ao do Oriente, mas a partir da década de 370 ele passou por uma significativa deterioração, com a crescente incorporação de mercenários bárbaros às suas fileiras (a “barbarização” do exército) – uma prática que foi mais reduzida nos exércitos romanos do Oriente. No início do século V, as defesas do Ocidente foram incapazes de deter os invasores bárbaros germanos ou expulsá-los do império. Em 476, o que restava do Império Romano no Ocidente desapareceu sob as investidas bárbaras (a famosa “queda de Roma”).

Muitos historiadores empregam o termo Antigüidade Tardia para o período que vai do século III ao século VII, considerando-o como a época de uma civilização original distinta do mundo clássico. Esses historiadores são contra a aplicação do termo “decadência” sobre esse período e preferem vê-lo como uma fase de transformação profunda nas estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais da antiga civilização clássica, uma época que representou a transição para a Alta Idade Média (situada por eles em 700-1000) e para o feudalismo na Europa.

a) A crise do século III

Considera-se que o Império Romano começou a declinar a partir da crise do século III, associada ao alto custo da manutenção de um grande exército, (exigindo impostos elevados que sobrecarregaram as camadas médias e baixas, prejuducaram o comércio e levaram as cidades ao declínio) e ao esgotamento do escravismo (diminuição do número de escravos com o fim das conquistas territoriais). A crise foi caracterizada por guerras civis na disputa pelo trono imperial, escassez, revoltas populares no meio rural e perda de províncias. Entre as conseqüências da crise do século III, destacam-se:

O declínio demográfico. Por causa das constantes epidemias, da fome, da guerra civil e dos ataques bárbaros. A população do Império, que era de 46 milhões de pessoas no ano 200, caiu para 36 milhões em 400. Isso reduziu a mão-de-obra, contribuindo para a queda da produção.

A transformação da sociedade. Empobrecimento dos pequenos proprietários e das camadas médias urbanas; fortalecimento da aristocracia rural, dona dos latifúndios e villas; desenvolvimento do colonato, o trabalho de camponeses nos latifúndios em troca de parte da produção (sistema de arrendamento na base de meação). Com o tempo os colonos ficaram presos a terra, tornando-se trabalhadores semilivres, e muitos escravos transformaram-se em colonos. Isso iniciou a transição da escravidão para a servidão.

O início da ruralização da economia. Fuga dos cidadãos das cidades em direção ao campo a procura de segurança ou de emprego, ou ainda para escapar da carga tributária; diminuição do comércio; crescimento da produção voltada para a subsistência.

Maior assimetria regional. Os problemas econômicos foram mais intensos nas regiões ocidentais do império. A parte oriental utilizava menos escravos e possuía cidades mais ricas, com um comércio e artesanato mais avançados

As reformas no final do século III recuperaram a autoridade central (governo de Diocleciano, 284-305, dividiu a administração imperial com outros três generais aliados, originando a tetrarquia). O governo ficou mais centralizado, despótico e burocratizado, originando o Dominado (monarquia absolutista do dominus, o novo título do imperador), mas o império começou a se dividir em duas unidades administrativas separadas (Ocidente e Oriente).

b) Reinado de Constantino I, o Grande (312-337)

Constantino foi um dos imperadores que assumiram o poder nas guerras civis do Baixo Império. Inicialmente (312-324), ele reinou como imperador do Ocidente, ocasião em que se aproximou dos cristãos. Em 313, Constantino e Licínio, imperador do Oriente, declararam a liberdade de culto para os cristãos por meio do Edito de Milão, que confirmou um antigo decreto de Galério (311), imperador do Oriente que antecedeu Licínio. A decisão de Constantino e de Licínio restabeleceu a tolerância religiosa em todo o império, mas não transformou o cristianismo na religião oficial e nem proibiu os demais cultos. Apesar disso, não resta dúvida que a decisão de Milão favoreceu a rápida expansão da fé cristã, que já crescia mesmo quando reprimida. O próprio Constantino parece ter se tornado cristão por volta dessa época, ainda que seguidor de um cristianismo sincrético (misturado com outras tradições religiosas, como a do Sol Invictus), a exemplo da maioria dos cristãos. De fato, Constantino patrocinou a construção de igrejas, embora tenha feito o mesmo com templos de outras religiões. A mãe de Constantino, a famosa Santa Helena (248-328), antiga seguidora do cristianismo, foi influente na corte do filho e certamente contribuiu para aproximar seu governo dos cristãos. Licínio, ao contrário, permaneceu pagão até o fim de sua vida.

Em 320, Licínio rompeu com os cristãos e passou a persegui-los. A tensão entre ele e Constantino voltou a crescer e a guerra civil foi retomada em 323. A luta contra Licínio assumiu feições de uma guerra santa. O exército de Constantino lutou sob o símbolo da cruz e com o grito de guerra “Deus Salvador”. Licínio foi derrotado por Constantino, que mandou executar o rival. Com sua vitória, aclamada pelos cristãos, Constantino reunificou o Império Romano (324) e recebeu o epíteto de Constantino I, o Grande.

Constantino foi um dos mais importantes imperadores romanos, adorado pelos cristãos, favorecidos ainda mais depois da reunificação do Império. A partir de seu reinado, o Estado envolveu-se gradualmente nas discussões teológicas do cristianismo e na organização da Igreja. Em 325, Constantino convocou o Concílio de Nicéia, uma assembléia extraordinária de bispos, para obter um consenso nas controvérsias sobre a natureza de Jesus. O concílio estabeleceu a divindade de Cristo, afirmando que o Filho era da mesma “substância” do Pai, e a crença no Espírito Santo. Constantino também foi responsável por uma importante decisão administrativa estratégica. Depois de reunificar o Império, ele instalou-se em Nicomédia, antiga capital do Oriente. Em 330, Constantino estabeleceu uma nova capital na cidade grega de Bizâncio – a Nova Roma ou Constantinopla – mantendo o centro do poder na parte oriental do Império Romano. No final de sua vida, Constantino foi batizado e morreu como o primeiro imperador romano cristão.

c) O governo de Teodósio I, o Grande (379-395)

 Imperador do Oriente em 379-392, Teodósio I foi o último imperador que reinou sobre todo o Império Romano unificado em 394-395. Batizado em 380, Teodósio I foi um cristão devotado. Em 381, convocou o Concílio de Constantinopla, que confirmou o credo niceniano e a idéia da Santíssima Trindade (a unidade do Pai, Filho e Espírito Santo). Os cristãos heréticos e os pagãos foram duramente perseguidos em seu reinado. Em 391, a intolerância religiosa aumentou: os templos pagãos foram fechados e o cristianismo foi transformado em religião oficial do Império Romano. Teodósio morreu em 395 e o Império foi dividido entre os seus dois filhos: Honório ficou com o Ocidente (capital em Ravena) e Arcádio com o Oriente.

3.3 O colapso do Império Romano do Ocidente (século V)

O Império Romano do Ocidente, mais pobre e fraco do que o Império do Oriente, não suportou os ataques bárbaros, sobretudo em um contexto de lutas internas pelo controle do trono imperial, que deixaram o exército ocidental dividido e enfraquecido. No final do século V, o Império Romano do Ocidente foi destruído (a “queda de Roma” em 476). O Império Romano do Oriente, mais rico, unido e forte, sobreviveu na Idade Média com o nome de Império Bizantino.

a) A invasão bárbara (séculos IV-VI)

Os romanos utilizavam a palavra bárbaro, herdado dos gregos, para denominar todos os povos que viviam fora das fronteiras do seu império, ou seja, os estrangeiros não assimilados pela civilização de Roma. Embora fosse aplicado também a povos de culturas sofisticadas e urbanas como os persas, o termo “bárbaro” acabou sendo mais usado em relação aos povos tribais da Europa Centro-Oriental, sobretudo aqueles que invadiram e destruíram o Império Romano Ocidental. Desses bárbaros que, entre os séculos IV e VI, atacaram e/ou ocuparam os territórios romanos no Ocidente, destacaram-se os hunos e, principalmente, os germanos.

b) Aspectos gerais dos germanos no século IV

 Os germanos eram originários da Escandinávia. Nos séculos III-II aC migraram para a Europa Central e Oriental, chegando a ocupar o sul da Rússia e da Ucrânia. No século IV, o país mais povoado por eles era a Alemanha ou Germânia (os alemães de hoje são seus descendentes diretos). Entre os principais povos de língua e costumes germânicos da época das invasões, podemos destacar os godos (visigodos e ostrogodos), francos, vândalos, suevos, anglos, saxões e lombardos. Os germanos desse período não viviam em “civilização”, no sentido mais tradicional do termo: eles não possuíam Estados plenamente constituídos, cidades, economia mercantil e construções monumentais. Mas estavam iniciando um processo de diferenciação social, de transição de uma estrutura tribal para uma estrutura política e econômica mais complexa.

Organização política. Divisão em tribos que, ocasionalmente, principalmente em épocas de guerras, formavam confederações e reinos tribais. Em geral, seus chefes eram escolhidos, mas, em alguns casos, como dos godos, foram constituídas monarquias com reis hereditários. O poder desses chefes e reis era limitado pela assembléia de homens livres com condições de se armar (thing, ding ou mallus). Não existiam leis escritas, mas um conjunto de normas, direitos e deveres orais baseados nos costumes e tradições (o direito consuetudinário).

Economia. Os germanos viviam em aldeias e tinham na agricultura sua principal atividade econômica. A metalurgia, principalmente para a fabricação de armas, era bem avançada. De uma maneira geral, a economia era voltada para a subsistência, mas algumas tribos, sobretudo as de maior contato com os romanos, tinham um comércio mais desenvolvido. A propriedade privada estava começando a se formar, porém a tradição de que parte dos recursos naturais pertencia à comunidade (as terras de uso comum ou de direitos comunais, como florestas e pastos) era um dos fundamentos da organização tribal.

Sociedade camponesa e guerreira. A maioria da população era formada por camponeses livres que se armavam por conta própria e lutavam nas guerras. Uma classe dominante estava emergindo, constituída por uma aristocracia guerreira que se apropriava das melhores terras. Os chefes e aristocratas mais destacados possuíam um séquito de guerreiros profissionais, o comitatus – grupo de guerreiros unidos a um líder pelo juramento de fidelidade em troca da distribuição dos bens conquistados nas guerras.

c) Motivos da invasão bárbara

A invasão ou migração bárbara foi causada por dois motivos principais: (I) o crescimento populacional levando à escassez de terras; (II) a pressão de um grupo bárbaro sobre outro, forçando o seu deslocamento (como os hunos que atacaram os godos, empurrando-os para dentro do Império Romano)

d) Ocupação germânica do Império Romano do Ocidente

Roma conseguiu conter a pressão dos bárbaros na fronteira do Império até meados do século III, muitas vezes utilizando auxiliares germanos e iranianos no exército romano. Nos anos de 260 os germanos tomaram a Dácia (Romênia) de Roma. No século IV a “barbarização” do exército romano avançou e, nos anos de 370, tribos visigodas foram instaladas como aliadas (federadas) dentro do Império Romano, na Trácia (Bulgária). A rebelião dos aliados visigodos contra os romanos em 378 desencadeou o processo que levou a destruição do Império Ocidental. Os visigodos deslocaram-se para o Ocidente sem que os romanos conseguissem destruí-los ou expulsá-los. As guerras civis na disputa pelo trono imperial reduziram a capacidade de repressão dos romanos, favorecendo os bárbaros. A situação se agravou no início do século V, quando vários povos germanos atravessaram a fronteira do rio Reno em uma invasão generalizada do Império Ocidental. Várias províncias foram perdidas e Roma foi saqueada em 410 e 455. Em 476, o último imperador foi derrubado por mercenários bárbaros, simbolizando o fim do Império Romano no Ocidente.

e) Principais momentos das invasões bárbaras do Império Romano (séculos IV-V)

375. Os hunos invadem a Europa Oriental. Os hunos, povo turcomano vindo da Ásia Central, destruíram o reino germânico dos ostrogodos, no sul da Rússia. A invasão dos hunos empurrou diversas tribos germânicas para as fronteiras do Império Romano.

376. Os visigodos entram no Império Romano do Oriente. O imperador Valente (364-378), do Império Romano Oriental, permitiu que os visigodos atravessassem a fronteira do rio Danúbio e ocupassem a província da Trácia (Bulgária) como colonos federados. Esses povos logo entraram em conflito com as autoridades romanas locais e fizeram um levante.

9 agosto 378. Batalha de Adrianopla. O exército romano, comandado pelo imperador Valente, foi massacrado pelos visigodos. Cerca de 40 mil romanos morreram, entre eles Valente.

400-409. Invasão generalizada do Ocidente por vários povos germânicos. Os visigodos, liderados por Alarico, devastam os Bálcãs e invadem a Itália.

410. Saque de Roma pelos visigodos (líder Alarico).

441-453. Os hunos invadem o Ocidente. Os hunos, liderados por Átila, devastam o Império Romano Ocidental.

455. Saque de Roma pelos vândalos (líder Genserico).

476. A Queda do Império Romano Ocidental. O jovem Rômulo Augústulo (14 anos) reinou em Ravena, em 475-476, e costuma ser considerado o último imperador do Ocidente, que na época resumia-se a Itália. Em agosto de 476, o general bárbaro Odoacro liderou um motim de mercenários hérulos, tomou Ravena e, no dia 4 de setembro de 476, depôs Rômulo Augústulo, episódio que tradicionalmente é chamado de “Queda de Roma” ou, mais precisamente, queda do Império Romano do Ocidente.