terça-feira, 1 de março de 2011

13 - As civilizações antigas

Pessoal, segue um texto das nossas aulas sobre as civilizações antigas e suas origens e características. Ele é uma continuação da postagem 8.

2. A Pré-História

A Pré-História é o período inicial e mais longo da história humana (equivalente a 99% dessa história). Durante toda a sua duração, as sociedades eram ágrafas (sem escrita) e, de uma maneira geral, simples ou primitivas em termos de tecnologia e organização econômica, social e política (predomínio da subsistência, pouca diferenciação social, ausência do Estado). Nesse sentido, a Pré-História é o período anterior às civilizações.

O começo da Pré-História está situado por volta de 2,5 milhões de anos atrás (aparecimento do gênero homo na África), mas seu término, simbolizado pelo aparecimento da escrita, varia dependendo da sociedade em questão e de sua localização geográfica. No Oriente Próximo (Ásia Ocidental e Egito) ela se encerrou por volta de 3000 aC, data mais utilizada na periodização tradicional.

3. A Idade Antiga ou Antiguidade (c. 3000 aC – 500 dC)

De acordo com a divisão tradicional da história, a Idade Antiga ou Antiguidade é a época das primeiras civilizações, entendidas como sociedades complexas com cidades e Estado. As civilizações antigas emergiram em momentos diferentes nas diversas partes do mundo: na Mesopotâmia (atual Iraque) e no Egito em 3000 aC, no Peru (Norte Chico) em 2700 aC, na ilha de Creta (sul da Grécia) em 2600 aC, no Paquistão-Índia em 2600 aC, na China em 2100 aC e no México em 1200 aC.

3.1 As origens das civilizações
    
O aparecimento da civilização foi o acontecimento mais importante da história da humanidade nos seus últimos cinco mil anos. Evidências arqueológicas sugerem que as civilizações foram formadas a partir da evolução social e cultural das comunidades tribais e das chefias agrícolas pré-históricas. Na Mesopotâmia e no Egito, isso parece ter acontecido entre 4500 e 3000 aC; no Mediterrâneo Oriental, inclusive na Grécia, entre 3500 e 2000 aC.

O aumento da produção de alimentos e o crescimento demográfico nas sociedades pré-históricas foram os fatores que condicionaram essa evolução. Ambos permitiram:

Uma maior divisão de trabalho (especialização de tarefas)

O avanço tecnológico, sendo o aparecimento da metalurgia a mais visível das novas técnicas, até então restritas a instrumentos de pedra, madeira e osso

A estratificação social (as comunidades pré-históricas, relativamente igualitárias, ficaram mais divididas em grupos sociais com diferenças de riqueza e de privilégios)

A construção de grandes templos (resultado do desenvolvimento de conhecimentos mais avançados de geometria, engenharia e arquitetura)

A formação de cidades, com habitantes que deixaram de produzir alimentos e passaram a se dedicar às atividades urbanas, como o comércio e artesanato especializado

O desenvolvimento do comércio, sobretudo de alimentos, matérias-primas (metais, madeira) e artesanato de luxo

Uma elite de administradores, guerreiros e sacerdotes assumiu a liderança dessas comunidades do final da Pré-História, muitas vezes com funções e privilégios hereditários, transformando-se em uma camada social superior, detentora do poder político, militar, religioso e econômico. Instituições de governo e leis foram estabelecidas e um aparelho de Estado emergiu com cargos monopolizados pela elite dirigente, em geral de forma hereditária, acompanhados de privilégios derivados do prestígio de suas funções.

Dependendo do caso, essas transformações foram seguidas, e talvez mesmo determinadas, por guerras de disputa por recursos naturais, pela criação de santuários religiosos integrando comunidades até então separadas ou pelo estabelecimento de uma liderança centralizadora na organização de obras públicas. Em um fenômeno que foi chamado de revolução urbana, as cidades emergiram como os principais centros do comércio, do governo e da religião. Necessidades contábeis e administrativas geradas pela maior complexidade social levaram à invenção de formas primitivas de registros de dados e de informações, originando a escrita. A revolução urbana foi, assim, uma fase de transição das sociedades pré-históricas para as civilizações. No Velho Mundo, essa transição costuma ser situada na Idade dos Metais, mais precisamente entre o final da Idade do Cobre e o início da Idade do Bronze (no Oriente Próximo, no 5o e 4o milênio aC).

Os núcleos civilizacionais tendiam a irradiar o seu poder e cultura pelas regiões vizinhas, de forma pacífica (comércio) ou violenta (guerras de conquistas) – processo que costuma ser chamado de difusão, contribuindo para a formação de novas civilizações com características próprias.

3.2 Características das civilizações antigas 

As civilizações antigas, como as das épocas posteriores, foram caracterizadas pela diversidade lingüística, cultural, política, social e econômica, sendo difícil enquadrá-las em um único modelo de sociedade. Mas é possível identificar nas civilizações da Antiguidade alguns traços comuns presentes também nas sociedades medievais.

Em uma caracterização bem genérica e simplificadora, as civilizações antigas podem ser classificadas como civilizações agrárias, com sociedades tradicionais, arcaicas ou pré-modernas (pré-industriais, patriarcais, estratificação em classes e estamentos com baixa mobilidade social, forte religiosidade). Elas também podem ser consideradas pré-capitalistas (maioria da população formada por camponeses que não dependiam de salários, intenso uso do trabalho compulsório pela classe dominante, constituída por uma aristocracia detentora de terras e privilégios políticos).

Economia agrária ou pré-industrial

Nas civilizações antigas a terra era a principal riqueza e a agricultura e o pastoreio eram as atividades econômicas mais importantes. Apesar da urbanização, a sociedade era mais rural do que urbana, com a maioria da população vivendo no campo (aldeias). Não existia indústria mecânica (máquinas/maquinofatura). A produção industrial era baseada no artesanato, com uso do trabalho manual/braçal, predominando aa energia humana/animal. No campo, os trabalhadores praticavam a agricultura e o pastoreio combinados com o artesanato rústico. O artesanato especializado era mais típico das cidades (metalurgia, cerâmica e tecelagem de luxo). Matérias-primas agrícolas e minerais eram os principais bens comercializados.

Estratificação social mais rígida do que no capitalismo

Além da divisão em classes sociais (a partir de diferenças de renda e propriedade), havia uma hierarquização formalizada por uma divisão estamental em ordens (grupos sociais hierarquizados com privilégios/direitos baseados no parentesco ou na função reconhecidos pelos costumes e leis). A mobilidade social era relativamente mais baixa. As elites dirigentes tinham o poder político baseado no controle das terras, funções burocráticas ou religiosas. As civilizações antigas eram também sociedades patriarcais, com famílias e, em geral, o poder político, dominadas pela autoridade paterna ou masculina.

Uso generalizado do trabalho compulsório

A principal forma de trabalho utilizado pela classe dominante era o trabalho forçado exercido pela coerção extra-econômica (jurídico-política): a violência, as leis e o Estado obrigavam o indivíduo a trabalhar para outra pessoa. Duas modalidades genéricas de trabalho compulsório foram utilizadas nas civilizações antigas: a servidão, com um trabalhador semilivre ou dependente possuindo alguns direitos, acesso à terra, meios de produção e família, mas obrigado a produzir excedentes para um senhor ou para o governo; e a escravidão, baseada na exploração de um escravo – um trabalhador sem liberdade, considerado objeto, propriedade e mercadoria de um senhor

Predomínio do trabalho não-assalariado

Além do trabalho compulsório, o trabalho mais comum era o de camponeses juridicamente livres (proprietários ou arrendatários) e artesãos independentes, que trabalhavam de forma autônoma, não precisando de um emprego em troca de salário.

Economia de mercado limitada

Nas civilizações antigas, o desenvolvimento urbano, comercial, monetário e financeiro era muito inferior ao do capitalismo. Por serem sociedades pré-industriais, havia uma forte limitação tecnológica na produção, no armazenamento, no transporte e nas comunicações. O predomínio do trabalho não-assalariado também limitava a monetarização (uso de moeda), a circulação de mercadorias e o seu consumo. As cidades eram os principais centros comerciais e consumidores, mas a maioria da população vivia no meio rural, onde predominava o trabalho não-assalariado, de forma que a moeda circulava mais entre as elites.

Forte religiosidade

Nas antigas civilizações, não havia separação entre política e religião. A religião predominava na explicação dos fenômenos da natureza e da história, e, em muitos casos, justificava a ordem social e política. Três modalidades de religião organizada (com templos, sacerdotes e rituais) existiram nas civilizações antigas:

Politeísmo. A crença na existência de várias divindades. O politeísmo predominou na Antiguidade.

Monoteísmo. A crença na existência de uma única divindade. O monoteísmo foi exceção na Antiguidade. Um forma de monoteísmo surgiu brevemente no Egito durante o reinado do faraó Amenhotep IV (Amenófis IV) ou Akhenaten (século XIV aC) com o culto oficial do deus Aten. Mas foi entre os hebreus que surgiu a primeira modalidade permanente de monoteísmo: o javismo, com o culto a Javé ou Iavé (YHWH), criado pelos israelitas (agrupamento tribal de hebreus) no II milênio aC, na Palestina. A tradição afirma que o culto foi estabelecido por Abraão, líder ou patriarca considerado o ancestral dos israelitas, dos ismaelitas (antepassados dos árabes) e de diversos outros povos de língua semita do Sinai, da Palestina, da Jordânia e da Península Arábica. O monoteísmo israelita parece ter sido uma evolução de uma monolatria (adoração de um único deus, sem excluir a existência de outras divindades que foram deixando de ser cultuadas). A essência do culto javista foi o pacto ou aliança sagrada entre Deus (Javé) e Israel (a nação ou conjunto dos israelitas). Em troca de uma rigorosa obediência a Deus (suas Leis ou instruções divinas, sendo o monoteísmo a mais importante delas), os israelitas receberiam sua proteção e um território (a Terra Prometida, identificada com Canaã, atual Palestina). O javismo foi o principal fator de unidade e identificação étnica dos israelitas: Javé virou o deus nacional de Israel e os israelitas o povo escolhido ou eleito por Deus. Por volta do ano 1000 aC, Jerusalém virou a capital do antigo Estado de Israel, adquirindo um caráter de cidade sagrada, sobretudo com a construção de um grande templo pelo rei Salomão. No primeiro milênio aC, o javismo passou por diversas adaptações, acompanhando as vicissitudes políticas do Estado israelita. No século X aC, os israelitas ficaram divididos em dois reinos: Israel no norte (capital Samaria) e Judá no sul (capital Jerusalém). Os assírios destruíram Israel no século VIII aC. Judá sobreviveu precariamente por mais dois séculos, transformando-se no principal herdeiro das tradições monoteístas do javismo. O termo judeu, inicialmente referente ao habitante de Judá, passou a ser sinônimo do seguidor do monoteísmo javista. No século VI aC, os babilônios conquistaram Judá e destruíram o templo de Jerusalém. Muitos judeus foram enviados para a Babilônia (o “Cativeiro da Babilônia”), mas uma parte deles retornou a Jerusalém, em 538 aC, depois que os persas conquistaram o império babilônico. Foi no retorno do exílio que ocorreu uma grande renovação religiosa, levando o javismo a se transformar no judaísmo – a religião monoteísta da Lei ou Torá (a lei sagrada vista como dádiva de Deus), baseada nos livros do Tanakh, os principais textos religiosos judaicos que, com variações, corresponde ao Antigo Testamento da Bíblia cristã. De acordo com o judaísmo, toda a vida do povo judeu é determinada pela Lei que, sendo rigorosamente seguida, permitirá a salvação. O resultado foi o desenvolvimento de um monoteísmo ético (crença em um único Deus que exige determinada conduta de comportamento do indivíduo nas relações humanas). O conhecimento, exposição e interpretação da Lei passou a ser feito nas sinagogas. O Templo foi parcialmente reconstruído e seu sumo-sacerdote virou o líder religioso da comunidade judaica. No século II aC, os judeus conseguiram recuperar por breve tempo sua soberania, até serem dominados pelos romanos no século I aC. A dominação estrangeira (persa, greco-macedônica e romana) gerou uma profunda crise espiritual entre os judeus, divididos em facções religiosas. Nesse contexto ganhou força a idéia da vinda de um Salvador divino – um rei ungido (messias), descendente de Davi, o mais popular monarca da antiga monarquia israelita unificada. Esse Salvador libertaria os judeus da dominação estrangeira e restauraria a glória de Israel. O judaísmo originou duas outras religiões monoteístas: o cristianismo e o islamismo. As três religiões (judaísmo, cristianismo e islamismo) são chamadas de religiões abraâmicas, quer dizer, derivadas do culto de Javé estabelecido por Abraão.

Dualismo. A crença na existência de dois princípios antagônicos ou complementares. Concepções dualistas baseadas na oposição entre o bem e o mal encontram-se no zoroastrismo ou mazdeísmo, antiga religião criada pelo profeta Zarathustra ou Zoroastro, no Irã (Pérsia), em data incerta (séculos VII-VI aC, mas talvez bem antes, no 2o milênio aC). O livro sagrado dessa religião é o Avesta, que contém hinos (Gathas) atribuídos a Zarathustra. De acordo com o zoroastrismo, existe um único Deus, bom e criador, essência da verdade e da justiça – Ahura Mazda ou Ormuz. Contudo, ele e sua obra (a ordem cósmica e natural, incluindo a humanidade) enfrentam a oposição de Angra Mainyu (Ahriman), o “Espírito Maligno” e destruidor, fonte da mentira e do caos. O universo é o palco do confronto entre essas duas forças, sendo Ahura Mazda auxiliado por anjos-guerreiros (ahuras) enquanto Angra Mainyu conta com o apoio de demônios (daevas). Cabe a cada ser humano decidir a quem apoiar e arcar com as conseqüências da sua escolha. A vitória dessa luta dualista será de Ahura Mazda, com a última batalha liderada por um Salvador (Saoshyant) que resultará no Juízo Final, na ressurreição dos mortos, na recompensa dos bons com o Céu, na punição dos maus com o inferno e na renovação do universo. O zoroastrismo foi uma das primeiras religiões (possivelmente a primeira) a desenvolver uma escatologia – doutrina sobre o final dos tempos, a partir de uma visão linear da história. Muitas das idéias do zoroastrismo foram incorporadas nas religiões abraâmicas.

Formas de Estado

Nas antigas civilizações agrárias não existiu uma única forma de Estado. As três modalidades universais de organização política com instituições complexas (governo, justiça) podiam ser encontradas na Antiguidade: o Micro-Estado ou cidade-estado, o Macro-Estado nacional e o Estado imperial (império).

Veja na postagem 8 mais informações sobre as modalidades de Estado e sobre os conceitos de civilização, estratificação social e trabalho compulsório.

Sugestões de leituras. Em português existem poucas obras sobre as origens das civilizações. Entre elas, as mais famosas são dois livros de Gordon Childe: A Evolução Cultural do Homem (Zahar Editores, 1978) e O Que Aconteceu na História (Zahar Editores, 1977). Veja também o livro de Robert J. Braidwood, Homens Pré-Históricos (Editora da UnB, 1985). Em inglês, o The Atlas of Early Man, de Jacquetta Hawkes (St. Martin’s Press, 1993) e Past Worlds: The Times Atlas of Archaeology, de Christopher Scarre (Times Books, 1988), tem excelentes ilustrações. De leitura fácil e conteúdo abrangente, o People of the Earth: An Introduction to World Prehistory, de Brian M. Fagan (Longman, 1998), é um dos melhores manuais sobre o assunto.

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