quinta-feira, 10 de março de 2011

15 - A Grécia Antiga (I)

Pessoal, segue um texto meu sobre a Idade do Bronze na Grécia

1. A Grécia antiga: aspectos geográficos e linguísticos

A Grécia original

A Grécia ou Hélade (Hellas) está localizada no sudeste da Europa, na extremidade meridional da Península Balcânica. É um país montanhoso, com litoral bastante recortado e pontilhado de ilhas, principalmente na costa leste, junto ao Mar Egeu. Esse ambiente físico-geográfico exerceu uma grande influência na história dos gregos. As montanhas tendiam a isolar os povoados, contribuindo para a formação de comunidades politicamente independentes. Por outro lado, a proximidade do mar e as inúmeras ilhas favoreceram a navegação e os contatos com outras civilizações do Mediterrâneo Oriental (Ásia Menor, Fenícia, Egito).
      
O antigo mundo grego

Na Antigüidade, o mundo grego ocupava uma área maior do que a da Grécia atual. Pelo menos desde o século XI aC,  a  Grécia  incluía  a  costa  ocidental  da  Ásia  Menor  (hoje  Turquia)  e  uma  parte  da  ilha  de  Chipre. No século V aC, ela  abrangia  o  litoral  do Mar  Negro,  o sul  da  Itália  (Magna Grécia)  e  diversos  outros  pequenos  lugares  no  Mar Mediterrâneo. Em linhas gerais, a natureza desses locais ocupados pelos gregos lembra o meio físico da Grécia atual, favorecendo a reprodução do mesmo estilo de vida. A história da Grécia antiga foi a história desse conjunto de territórios, destacando-se aqueles próximos ao Mar Egeu, o núcleo original e irradiador da civilização grega ou civilização helênica.                           

Os gregos e seus dialetos

   
Os gregos ou helenos viam-se como um povo distinto dos demais, a quem chamavam genericamente de “bárbaros”. Ser grego significava compartilhar uma mesma língua, cultura e estilo de vida diferente dos povos não-gregos. Mas os gregos também reconheciam que, apesar desses traços comuns, eles próprios estavam divididos em três grandes agrupamentos étnico-tribais (ethne), cada um com seu dialeto particular, além de subdivisões menores ou locais – o que contribuiu para o individualismo das cidades-estados e para a fragmentação política do mundo helênico. No I milênio aC, os gregos  classificavam-se  em  três  ramos principais:  jônios  ou  iônioseólios  dórios.  Além desses três, consideravam que os aqueus representavam outro ramo mais antigo do povo grego.

A língua grega (o helênico) faz parte da família lingüística do indo-europeu, que incluiu o latim, o germânico, o eslavo e o iraniano, entre centenas de outras línguas. Para a maioria dos estudiosos, os antepassados indo-europeus dos gregos (chamados de proto-gregos) não seriam nativos da Grécia, mas originários de outra região (norte dos Bálcãs, Ásia Menor ou Armênia, entre outros locais propostos). No II milênio aC, os proto-gregos teriam migrado para a Grécia, dominando ou misturando-se com a população nativa (pré-helênicos, como os pelasgos), mas acabaram se dividindo em agrupamentos com dialetos diferenciados.

2. A periodização da Grécia antiga

A história das antigas civilizações na Grécia costuma ser dividida em cinco períodos baseados na evolução dos padrões artísticos da cerâmica e da escultura, e, principalmente, na ausência, no nascimento, no desenvolvimento e no declínio da polis. Esses períodos são a Idade do Bronze (3000-1100 aC), a Época Homérica (1100-750 aC), a Época Arcaica (750-500 aC), a Época Clássica (500-334 aC) e a Época Helenística (336-146 aC). Em 146 aC, a Grécia foi conquistada por Roma e sua história passou a ser parte da história romana.

3. A Idade do Bronze (3000-1100 aC)

A Idade do Bronze foi o período do aparecimento das primeiras civilizações na Grécia: a civilização cicládica, a civilização minóica e a civilização micênica, chamadas coletivamente de “civilizações egéias”. Essas civilizações não possuíam as características do sistema clássico (cidades-Estados republicanas, noção de cidadania, maior uso de escravos) e estavam mais próximas do modelo oriental de sociedade. No entanto, desenvolveram um politeísmo que foi a base da religião grega das épocas posteriores, cultuando deuses como Zeus, Poseidon e Hera. Além disso, a maior parte das lendas mais famosas da cultura helênica (personagens como Minos, Perseu, Teseu, Édipo, Hércules, Jasão e os Pelópidas, acontecimentos como a Guerra de Tróia), foi situada pelos gregos na Idade do Bronze, que eles consideravam ser uma remota “Idade dos Heróis”. Foi também na Idade do Bronze, segundo as hipóteses mais aceitas, que os antepassados dos gregos chegaram à Grécia.

3.1 As civilizações pré-helênicas

As civilizações cicládica e minóica são consideradas pré-helênicas, quer dizer, desenvolvidas por povos não-gregos.

A civilização cicládica (3000-2000 aC)

A civilização cicládica teve como núcleo as Ilhas Cíclades no Mar Egeu, constituídas, entre outras, pelas ilhas de Andros, Delos, Melos, Mikonos, Naxos e Thera. Nenhum sistema de escrita foi encontrado nessa civilização, que parece ter sido ágrafa. Aparentemente, os cicládios estavam divididos em pequenas unidades políticas espalhadas pelas ilhas. Por suas características insulares, sua civilização pode ter sido a primeira a desenvolver uma grande dependência do comércio marítimo, enriquecendo-se com a distribuição dos seus próprios produtos (obsidiana, mármore, cobre, objetos de metal, gêneros agrícolas) e a redistribuição de produtos de outras regiões (Grécia Continental, Creta, Ásia Menor e, talvez, Síria e Egito). Os estudiosos chamaram esse poder marítimo de talassocracia. Os cicládicos fundaram colônias na Grécia Continental e em Creta, expandindo sua cultura pelo Egeu.

O aspecto mais famoso da civilização cicládica foi a sua arte, principalmente as estátuas de mármore, com figuras humanas estilizadas de forma abstrata e harmônica em tamanhos variados, herdeiras de antiqüíssimas tradições culturais do Neolítico balcânico. Para os padrões atuais, essas estátuas são impressionantemente “modernas”.

Os cicládios exerceram uma grande influência no desenvolvimento da fase inicial da civilização minóica, que acabou se transformando na mais poderosa do Egeu. Por volta de 2000 aC, a civilização cicládica foi, em grande medida, absorvida pela minóica.
  
A civilização minóica (3000-1450 aC)

A civilização minóica ou minoana, baseada na ilha de Creta, tem o seu nome derivado do lendário Minos, monarca que teria reinado em Cnossos, a mais famosa cidade cretense. A civilização minóica começou a se formar em 3000 aC sob influência dos cicládios e do Egito, onde Creta era chamada de Keftiou ou Kefter. Por volta de 2000 aC, palácios começaram a ser construídos em diversos centros da ilha, como Cnossos, Mallia, Faístos e Zakro, que deviam ser sedes de reinos autônomos. Na mesma época, a escrita foi adotada, inicialmente do tipo hieroglífica, substituída a partir de 1900 aC, por uma forma silábica chamada de Linear A. Essas escritas não foram decifradas e não se sabe ao certo que língua elas representavam, o que limita bastante o nosso conhecimento sobre os minoanos.

A fase de maior desenvolvimento da civilização minóica foi chamada de Neopalacial (1700-1450 aC). Nessa época, Creta pode ter atingido 250 mil habitantes e Cnossos, a maior cidade européia da época, devia ter uns 40 mil residentes. Os palácios cresceram e ficaram mais complexos, com paredes maravilhosamente decoradas com afrescos que retratavam a vida cotidiana. As cenas mais famosas são de jovens acrobatas, de ambos os sexos, enfrentando touros em uma espécie de jogo ou ritual (tauromaquia).

É possível que nos séculos XVI-XV aC, Cnossos tenha unificado a ilha ou exercido algum tipo de hegemonia sobre os outros centros de poder minoano. Mas praticamente nada sabemos sobre a organização política e a estrutura social dessa civilização, que os estudiosos consideram ser diferente da polis escravista. A maioria acredita que havia uma monarquia teocrática. Minos, o nome do lendário monarca, talvez fosse um título do governante, como “faraó” entre os egípcios. Assim, teriam existido vários Minos, e não um único personagem. Também foi sugerida a existência de uma modalidade de matriarcado centrada da figura de uma suposta sacerdotisa-mor – hipótese que busca se fundamentar no destaque dado às mulheres nas artes, sobretudo nas imagens que indicam divindades femininas.

No Período Neopalacial, o comércio e a expansão marítima minoana atingiram o auge, estabelecendo uma talassocracia no Mediterrâneo Oriental que superou a dos cicládicos. Com os navios mais avançados do mundo, os minoanos viajavam para o Egito, a Grécia Continental, as ilhas do Egeu (onde fundaram colônias, como em Rodes, Thera e Melos), o Levante ou Canaã (litoral da Síria-Palestina), a Sicília e, talvez, a Península Ibérica. É possível que parte das comunidades gregas, na época menos desenvolvidas do que as de Creta, tenham ficado sob controle dos minoanos.

No século XV aC, os palácios minoanos foram destruídos e os gregos aqueus assumiram o poder em Creta. Não sabemos o que causou esse colapso: catástrofe natural, que enfraqueceu a civilização minóica permitindo sua conquista pelos aqueus, ou um ataque direto de invasores gregos? A explosão do vulcão da ilha de Thera ou Santorini, nas Cíclades, costuma ser apontada como causa do declínio do poder minóico. Thera está localizada a 100 km ao norte de Creta. Nela existia uma riquíssima cidade (atual Akrotiri), ligada aos minoanos. A explosão do vulcão de Thera destruiu Akrotiri, causou um tsunami e a fumaça e cinzas lançadas alteraram o clima do Mediterrâneo. A catástrofe certamente repercutiu nos países vizinhos e pode ter originado a lenda de Atlântida e algumas tradições do Êxodo israelita, como a das Pragas do Egito. Dificilmente Creta escapou dos seus efeitos. Contudo, não há certeza quanto à data da explosão: os geólogos a situam entre 1627 e 1600 aC, os arqueólogos por volta de 1500 aC. No primeiro caso, a data é por demais distante para ter causado a decadência dos minóicos no século XV aC. O segundo caso se encaixa melhor na cronologia do colapso minoano, mas é contestada pela geologia. Na verdade, existem claras deficiências na cronologia do segundo milênio aC, o que complica ainda mais a questão. A data e os motivos da “Queda de Creta” continuam sendo objeto de um intenso debate.

3.2 A civilização micênica

A civilização micênica ou aquéia (1600-1100 aC), na Grécia continental e também em Creta (ocupada pelos aqueus em 1450 aC), foi a primeira civilização desenvolvida pelos descendentes dos proto-gregos que chegaram ao país na primeira metade do II milênio aC ou um pouco antes. De fato, os micênicos utilizaram-se de uma escrita não-alfabética que revela uma forma rudimentar de língua grega (a escrita Linear B).  O nome da civilização vem de Micenas, o mais famoso e poderoso reino aqueu, localizado no sul da Grécia. “Aqueu” era o antigo nome que os gregos davam a si mesmos antes de adotarem o nome de “helenos” (as razões da mudança são misteriosas). O nome aqueu aparece em textos do II milênio aC do Egito (ekwesh) e do Império Hitita na Ásia Menor (ahhiyawa) em referência a povos que viviam na Grécia ou no Egeu.

A civilização micênica parece ter sido fruto de uma evolução das comunidades tribais proto-gregas que se misturaram ou dominaram os centros pré-helênicos, em um processo de fusão cultural de 2000 a 1600 aC. A influência dos minóicos possivelmente contribuiu para a formação da civilização micênica. Posteriormente, os gregos preservaram tradições que falavam de monarcas estrangeiros vindos do Egito (rei Dânao) e da Síria-Palestina (rei Cadmo) que levaram a civilização para a Grécia. Outras tradições também afirmam que a mais famosa dinastia de reis micênicos, a dinastia de Atreu, era de origem estrangeira (Pélops, pai de Atreu, teria vindo da Ásia Menor). Alguns estudiosos crêem que essas lendas retratam acontecimentos reais, desprezados ou negados pela maioria dos historiadores: uma invasão ou migração de uma elite asiática de língua semita, os hicsos, que, depois de dominarem o Egito nos séculos XVII-XVI aC, foram expulsos e fugiram para a Grécia. As lendas de Dânao e Cadmo seriam reflexos desse episódio. Outros defendem a tese que guerreiros indo-europeus, especializados na utilização de carros de combate, invadiram a Grécia a partir da Ásia Menor no século XVI aC, base da lenda de Pelops. Nesses casos, a civilização micênica nasceu a partir da difusão de novas técnicas militares e de organização política de uma elite estrangeira sobre as comunidades da Grécia na Idade do Bronze.

De toda forma, os aqueus ficaram divididos em diversos reinos guerreiros (sendo os principais Micenas, Tirinto, Pilos, Atenas, Tebas e Cnossos aquéia) dominados por poderosos monarcas (wanax) que residiam em palácios-fortalezas, de onde governavam auxiliados por uma burocracia relativamente numerosa. Aparentemente a maioria de sua população vivia em comunidades aldeãs autárquicas (damoi) exploradas pelo Estado, em um sistema onde a propriedade privada da terra era pouco desenvolvida (parte dela pertencia ao palácio, parte era coletiva das comunidades). Os aqueus substituíram os minóicos no controle do comércio marítimo no Mediterrâneo Oriental e desenvolveram sua própria talassocracia. A disputa por terras, centros comerciais e riquezas na forma de saques provavelmente causou diversas guerras locais, como era comum na Antiguidade. Alguns desses conflitos devem ter assumido uma grande dimensão, envolvendo alianças entre os centros micênicos. Foi, possivelmente, o caso da lendária Guerra de Tróia, no século XIII aC (segundo a cronologia mais utilizada), entre uma coligação de reinos aqueus liderados por Micenas, e o reino de Tróia ou Ílion, na Ásia Menor. Os mais famosos heróis das lendas gregas ambientadas na Idade do Bronze lutaram nessa guerra. Do lado dos aqueus, Aquiles, Agamêmnon (rei de Micenas), Menelau, Ulisses, Ajax, Diomedes e Pátroclo. Do lado dos troianos, cujo monarca era Príamo, destacaram-se Heitor, Páris e Enéias, auxiliados pelas amazonas (rainha Pentesiléia) e pelos etíopes (rei Memnon). O pretexto para a guerra teria sido o rapto da rainha Helena, esposa de Menelau (irmão de Agamêmnon), por Páris, filho de Príamo. Depois de dez anos de guerra, Tróia foi tomada pelos aqueus e destruída. 

Em 1200-1100 aC a civilização micênica entrou em colapso, junto com outros importantes centros políticos da Ásia Menor, de Chipre e da Síria-Palestina. Seus palácios foram destruídos ou abandonados, em um processo que parece estar associado às migrações de povos no Mediterrâneo Oriental. Especificamente na Grécia, as migrações envolveram a chegada de grupos tribais dórios, que se instalaram no sul do país (Peloponeso) e em Creta.

3.3 O final da Idade do Bronze

O colapso da civilização micênica encerrou a Idade do Bronze e iniciou a fase arqueológica da Idade do Ferro na Hélade. A destruição dos reinos aqueus foi uma enorme catástrofe que alterou profundamente as estruturas políticas, sociais e econômicas da Grécia pré-clássica: as monarquias despóticas, suas burocracias e a escrita desapareceram, os palácios foram abandonados, o comércio foi interrompido, a economia entrou em recessão, a população diminuiu e os gregos sofreram uma retração no seu modo de vida, criando uma nova civilização, mais pobre materialmente.

4. A Época Homérica (1100-750aC)

O período entre 1100 e 750 aC  foi  chamado  de  “Homérico”  devido  a  importância  das  informações  contidas  nas  obras  do  poeta  Homero  para  a  reconstituição  da  época, que corresponde ao  início  da  Idade  do  Ferro  grega. Outra fonte importante são as obras do poeta Hesíodo. No entanto, o conjunto de dados sobre essa fase da história da Grécia é muito escasso, sobretudo por que a escrita desapareceu com o colapso da civilização micênica em 1200-1100 aC. As obras de Homero parecem ter sido compostas oralmente no século IX, mas, junto com as criações de Hesíodo, só assumiu sua forma escrita quando esta foi restabelecida no século VIII aC. Por essa razão, a Época Homérica costuma ser chamada também de Idade das Trevas – os séculos obscuros da história da Grécia Antiga.  Do ponto de vista arqueológico, tendo como referência o estilo de decoração da cerâmica, essa época pode ser subdividido em três períodos: o Submicênico (1100-1050 aC), o Proto-Geométrico (1050-900 aC) e o Geométrico (900-750 aC).


A obra de Homero

  Homero (século IX ou VIII aC), o mais famoso poeta da Antigüidade, era um aedo (poeta-cantor). São atribuídas a ele a composição oral de dois poemas épicos, a Ilíada e a Odisséia. As duas obras são um marco na formação da cultura ocidental e tornaram-se a principal referência sobre as tradições e a história mais remota da Grécia antiga. Dotadas de uma sofisticação dramática e de uma qualidade sem paralelo para uma cultura iletrada, a Ilíada e a Odisséia serviram de modelo no desenvolvimento de outros épicos na Grécia e em Roma. Os dois poemas retratam a sociedade grega do início da Idade do Ferro, nos séculos IX-VIII aC, sobretudo os hábitos da aristocracia e seus valores (honra, coragem, espírito guerreiro), mas referem-se a fatos ocorridos nos séculos XIII-XII aC, na fase final da Idade do Bronze. A Ilíada tem como foco as ações do herói grego Aquiles e seu confronto com o rival Heitor, príncipe troiano, durante a Guerra de Tróia (c.1200 aC), relatando outros episódios associados a esse conflito. A Odisséia narra as aventuras de Odisseu ou Ulisses, um dos reis gregos que lutou em Tróia, quando retornou para o seu reino em Ítaca, no leste da Grécia. A perseverança de Odisseu diante das dificuldades para voltar para sua casa e retomar sua vida em família é um dos temas mais famosos da tradição cultural helênica.
    
A obra de Hesíodo

  O poeta Hesíodo (século VIII aC) viveu depois de Homero e compôs poesias que pretendiam ser úteis, enquanto a obra  de Homero tinha o objetivo de entreter. A ele são atribuídas duas importantes criações literárias: Teogonia, que trata das origens e genealogia dos deuses e dos ciclos míticos, e Os Trabalhos e os Dias, que descreve preceitos morais e conselhos práticos sobre a agricultura e uma vida honesta na ótica camponesa.

Aspectos gerais do período homérico

   A civilização grega ou helênica da Época Homérica era diferente da micênica, não possuindo mais as características que lembravam o sistema oriental. Embora continuasse sendo também pré-clássica, com a ausência da cidade-Estado republicana e de um escravismo economicamente importante, a sociedade homérica começou a apresentar traços que indicavam uma evolução na direção da polis. Nesse período, a Grécia estava isolada e dividida em pequenos reinos descentralizados, com uma população menor e pouca vida urbana e comercial. A produção era voltada mais para a subsistência.

A Primeira Diáspora Grega (1100-900 aC)

  “Diáspora” significa dispersão. A Primeira Diáspora Grega foi dirigida para a Ásia Menor (atual Turquia), causada pelo deslocamento populacional em razão dos problemas gerados pelo colapso micênico. Foi em meio a esse deslocamento e migrações que se formaram os dialetos iônio, eólio e dório. A diáspora dos séculos XI-X aC resultou na colonização das ilhas e o do litoral da Ásia Menor pelos refugiados ou invasores gregos, que fundaram comunidades independentes no litoral da Ásia Menor (regiões da Jônia, Eólida e Dórida). 

A organização política

  Com a queda dos palácios micênicos, outro tipo de monarquia emergiu na Grécia: a basiléia, chefiada por um basileu (rei), um líder guerreiro visto como mediador entre os deuses e os homens. Não é possível estabelecer com segurança se as basiléias eram hereditárias ou eletivas, mas a antiga autoridade despótica e centralizadora da realeza aquéia desapareceu, e o poder político nos séculos X-VIII aC ficou, na prática, dividido entre o rei e uma aristocracia guerreira. Embora reconhecesse a autoridade suprema do rei (ele próprio membro das famílias aristocráticas), a nobreza guerreira formava um “Conselho dos Notáveis” ou “Anciãos” que orientava o monarca em decisões mais importantes limitando, na prática, o seu poder. Inexistia a noção de cidadania, mas a população costumava se reunir em uma praça descampada (ágora) para escutar as deliberações do basileu ou os debates dos líderes aristocráticos.

A sociedade

A aristocracia homérica. A classe dominante da época era constituída por uma elite de famílias da nobreza também chamada de basileis ou aristoi (“os melhores”), que possuía as principais terras e rebanhos. O basileu que liderava o seu genos (a família extensa aristocrática) era chamado de geronte. A mentalidade da aristocracia homérica era tipicamente guerreira, fundamentada na areté (coragem, honra e excelência) e na busca da fama, adquirida no campo de batalha através da vitória na aristéia, o duelo ou combate individual entre dois basileus, como retratado na Ilíada.

Os grupos não-aristocráticos. A escravidão não predominava na sociedade homérica e tinha um aspecto predominantemente doméstico, sendo pouco empregada na produção. A maioria da população aparentemente era livre, constituída por camponeses (georgois), incluindo trabalhadores dependentes da aristocracia. Os demiurgos eram trabalhadores livres especializados e remunerados, profissionais como os artesãos do metal. Os tetes eram livres e pobres, sem posses, forçados a alugar ou vender sua força de trabalho para sobreviver.
    
A economia

O oikos. Oikos era o patrimônio de um homem livre. O termo oikos originou a palavra “economia” (oikonomia ou “administração do patrimônio”), mas para os gregos ele tinham um significado mais amplo. Além de sua riqueza material (terras, rebanhos, tesouros, construções), o oikos incluía as pessoas que ele dominava (familiares, escravos, trabalhadores dependentes). A extensão econômica e social do oikos variava dependendo do seu proprietário – o oikos de um aristocrata era maior e mais rico do que de um camponês e era a base material e social de seu poder. Na Época Homérica, o comércio e as cidades eram relativamente pouco desenvolvidos, predominando uma economia de subsistência. Nesse cenário, o oikos de um aristocrata ou de um camponês era fundamentalmente uma unidade econômica e social auto-suficiente, que gerava poucos excedentes para serem trocados.

A propriedade da terra. Apesar do caráter pré-clássico da civilização grega na Época Homérica, é possível que uma das principais características da civilização clássica – a propriedade privada do solo – tenha avançado nos séculos X-VIII aC em decorrência do desaparecimento do sistema palacial micênico e seu dirigismo econômico. As terras da monarquia micênica podem ter sido apropriadas pelas famílias mais poderosas (da antiga elite aquéia ou de invasores dórios). As terras coletivas das comunidades aldeãs também podem ter sofrido uma transformação, com parte delas virando propriedade pessoal de lideranças locais, de invasores ou das elites tradicionais. O processo de privatização da terra possivelmente foi variado, com nuances locais, e pode ter mesmo começado ainda na Idade do Bronze. Depois de avançar na Época Homérica, a privatização do solo foi consolidada no período posterior, a Época Arcaica.

A questão da comunidade gentílica

No Brasil, muitos manuais de História consideram que a unidade econômica e social básica da Grécia na Época Homérica era a “comunidade gentílica”, identificada com o genos. De acordo com essa visão, a comunidade gentílica ou genos seria um clã ou agrupamento de famílias que possuíam terras de forma coletiva, voltadas para a subsistência. Essa interpretação foi muito influenciada pelo marxismo, que se baseou em duas obras escritas no século XIX: Ancient Society (1877), de Lewis Morgan, e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), de Friedrich Engels. Embora ainda utilizada por parte da historiografia marxista, há muito tempo ela é considerada superada pelos especialistas na Grécia pré-clássica. Terras coletivas ou comunais parecem ter existido na Idade do Bronze (as ktonai kekemenai dos textos micênicos) e é razoável supor que parte delas tenha sobrevivido na Época Homérica e no início da Época Arcaica em algumas regiões da Grécia, desaparecendo posteriormente em um processo pouco claro de privatização. No entanto, está claro que o genos não era um clã que coletivamente controlava o solo, e sim uma família aristocrática extensa, com vários casais (cada um com o seu oikos individual) subordinados a um único chefe ou pater maior.

Sugestões de Leituras. Existem poucos livros em português sobre a Grécia na Idade do Bronze e na Época Homérica. O ponto de partida deve ser O Mundo Grego Antigo – Dos Palácios de Creta à Conquista Romana, de Marie-Claire Amouretti e Françoise Ruzé (Lisboa, Dom Quixote, 1993). Uma interpretação muito influente sobre o impacto do colapso micênico na formação da filosofia grega é o pequeno, mas importante, livro de Jean-Pierre Vernant, As Origens do Pensamento Grego (São Paulo, Difel, 1984). A obra mais famosa e citada sobre a Época Homérica é O Mundo de Ulisses, de Moses Finley (Lisboa, Editorial Presença, 1988). Em inglês, a referência fundamental é a The Cambridge Companion to the Aegean Bronze Age, de Cynthia W. Shelmerdine (Nova York, Cambridge, 2008). Para aprofundar o assunto, dois livros excelentes de Oliver DickinsonThe Aegean Bronze Age (Nova York, Cambridge University Press, 1994) e The Aegean From Bronze Age to Iron Age: Continuity and Change Between the Twelfth and Eighth Centuries BC (Nova York, Routledge, 2007).





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