quarta-feira, 30 de março de 2011

22 - Crise da Líbia: entrevista com Moniz Bandeira

Segue uma interessante entrevista com o historiador e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre a Crise da Líbia. O artigo foi publicado originalmente na Carta Maior (ver final do texto)

EUA e aliados querem legitimar doutrina da intervenção humanitária

As razões pelas quais Estados Unidos, França e Inglaterra dediciram liderar uma ação militar na Líbia contra o regime de Muammar Kadafi ainda não estão muito claras. Os limites desta ação determinados pela resolução aprovada no Conselho de Segurança das Nações Unidas falavam da instalação de uma "zona de exclusão aérea" com o objetivo de proteger a população civil dos ataques dos aviões de Kadafi. Mas esses limites já foram extrapolados, com ataques no solo a tanques e tropas leais ao governo líbio. O que, afinal, está por trás desta ação?

Em entrevista à Carta Maior, concedida por correio eletrônico, o historiador e cientista político Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira analisa as revoltas populares que estão acontecendo no Oriente Médio e no norte da África. Sobre o conflito líbio, Moniz Bandeira reconhece que as razões da posição de EUA, França e Inglaterra não estão muito claras e podem estar relacionadas a questões internas destes países e também à vontade de legitimar a doutrina da intervenção humanitária.

"Os objetivos não estão claros. A guerra foi praticamente iniciada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Supõe-se que ele deseja evitar que uma guerra civil na Líbia provoque um grande fluxo de refugiados para o sul da França. Mas há outras hipóteses. Tanto na França como nos Estados Unidos, cujos presidentes estão muito desgastados, bem como na Inglaterra, motivos eleitorais provavelmente influíram na decisão de deflagrar a guerra. O petróleo, aparentemente, não foi um fator decisivo", avalia.

Cientista político e professor titular de história da política exterior do Brasil na UnB (aposentado), Moniz Bandeira é autor de mais de 20 obras, entre as quais "Formação do Império Americano", que lhe valeu a escolha de Intelectual do Ano 2005, pela União Brasileira de Escritores, e o Troféu Juca Pato. Em abril deve estar nas livrarias a 3ª edição de seu livro "Brasil-Estados Unidos: a rivalidade emergente", prefaciado pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.

Carta Maior: Na sua avaliação, quais são as principais causas das revoltas que estamos assistindo hoje no Oriente Médio e norte da África?

Moniz Bandeira: É difícil apontar os principais fatores que determinaram e determinam a eclosão das revoltas nos países árabes. São diversos e complexos. E tudo indica que são autóctones, não obstante o fenômeno do contágio. O sucesso do levante na Tunisia estimulou o alçamento no Egito e daí se alastrou, conforme as condições domésticas de cada um dos países da região. Há, decerto, diferenças históricas, sociais e políticas entre os dois países. Suas estruturas de Estados e instituições são diferentes. Ao contrário da Tunísia, o Egito é o mais populoso país árabe e o mais importante, do ângulo geopolítico e geoestratégico, no Oriente Médio. Entretanto, nos dois países, há uma juventude, com certo nível de educação e saúde que não encontra emprego ou ocupação adequada à sua capacitação. 

A Tunísia tem uma população de cerca de 10,4 milhões de habitantes, altamente alfabetizada e urbanizada e apenas 3,8% vivem abaixo do nível de pobreza. Porém, com uma força de trabalho de quase 4 milhões de pessoas, o nível de desemprego, da ordem de 14%, é muito elevado. O Egito, por sua vez, tem uma população de 76,5 milhões de habitantes, dos quais cerca de 20% a 25% vivem abaixo do nível de pobreza. Sua força de trabalho soma 26,1 milhões, mas o índice de desemprego, da ordem de 9.7%, é bastante elevado. Apesar de haver crescido 5% nos últimos anos, sua economia não conseguiu criar empregos conforme as necessidades da população. A juventude está seriamente afetada pelo desemprego. Cerca de 90% dos desempregados são jovens com menos de 30 anos. Os graduados têm de esperar pelo menos cinco anos por uma oportunidade de trabalho na administração. E as políticas neoliberais executadas pelo ditador Hosni Mubarak agravaram as desigualdades e um empobrecimento de milhões de famílias. 

As oportunidades de trabalho, desde há muitas décadas, crescem muito menos do que a taxa de crescimento da população. Entrementes, no campo, há algumas regiões com excesso de força de trabalho, e outras com carência. E os regimes tanto na Tunísia e quanto no Egito estavam politicamente estagnados, sob ditaduras corruptas e brutais de Zine el-Abidine Ben Ali e de Hosni Mubarak. Esse fato, em meio à ao desemprego, extrema pobreza, inflação, alta dos preços dos alimentos e o ressentimento político provocado pela sistemática repressão, foi aparentemente fundamental na deflagração das revoltas, que, sem dúvidas, seitas islâmicas fundamentalistas, como a Irmandade Muçulmana no Egito, e interesses estrangeiros trataram e tratam de aproveitar.

Carta Maior: Essas revoltas pegaram os Estados Unidos e seus aliados de surpresa, desestabilizando suas políticas na região, ou a turbulência atual não representa risco maior para eles?

Moniz Bandeira: Muito provavelmente as revoltas na Tunísia e também no Egito surpreenderam os Estados Unidos e a todos os países do Ocidente. Durante algumas semanas o governo de Washington nada disse sobre a sublevação na Tunísia. E, quando Hilary Clinton, viajou para Tunis, dois meses após a derrubada do ditador, ocorreram demonstrações contra a sua visita. Se houvesse consciência do que estava a acontecer, a secretária de Estado não haveria declarado, quando o levante começou no Cairo, "Our assessment is that the Egyptian government is stable and is looking for ways to respond to the legitimate needs and interests of the Egyptian people." Esta avaliação de que o regime de Mubarack era estável demonstra o grau de desconhecimento que o governo dos Estados Unidos tinha da real situação no Egito. Que havia descontentamento, sabia-se, mas não a sua extensão nem o que poderia provocar. 

É claro que tal turbulência representa um risco para os Estados Unidos e para a União Européia, pois não se pode descartar a possibilidade de que a Irmandade Muçulmana, a única força organizada no Egito, vença as eleições e assuma o governo e que os fundamentalistas islâmicos venham a predominar, de alguma forma, nos outros países árabes. 

Carta Maior: Como o sr. vê o que está acontecendo na Líbia agora? Trata-se de uma revolta popular em busca de mais democracia no país, ou de uma insurreição de outra natureza?

Moniz Bandeira: O que se sabe sobre a Líbia é que ninguém sabe de fato o que lá está acontecendo. Há muita contra-informação e informações fragmentadas e confusas, manipuladas pela grande mídia internacional. Winston Churchill, o ex-primeiro ministro britânico, escreveu em suas memórias quem tempos de guerra a verdade é tão preciosa que deve estar sempre escoltada por uma frota de mentiras. E o certo é que em nenhum desses países árabes, há uma consciência democrática, tal como se imagina no Ocidente. Há apenas uma idéia difusa e confusa. Não há tradição e as condições históricas, políticas e culturais são diversas das que terminaram o desenvolvimento da democracia no Ocidente. 

A democracia para os povos árabes, que se insurgem no norte da África e no Oriente Médio, significa maiores oportunidades de trabalho, de participação política, liberdade de expressão e melhoria econômica e social. E, na Líbia, como na Tunísia e no Egito, a elevação preço dos alimentos fomentou o descontentamento, ao agravar as condições sociais e políticas lá existentes. E ela sofreu o efeito do contágio. A Líbia tem 6,5 milhões de habitantes, dos quais 43% são urbanizados, mas o desemprego é da ordem de 30% e um terço da população vive abaixo da linha de pobreza. Importa 75% dos alimentos e as exportações de petróleo respondem por cerca de 95% de sua receita comercial e 80% da receita do governo. 

A situação da Líbia, porém, é ainda mais complexa do que na Tunísia e no Egito. Gaddafi assumiu o poder em 1969. Com um golpe militar derrubou o rei Idris, da seita Senussi, fundada no século XIX, em Meca, por sayyd Muhhammad ibn Ali as-Senussi, da tribo Walad Sidi Abdalla e sharif, i. e., descendente da Fatmimah, filha de Maomé. Desde então, Gaddafi buscou impor à Líbia um só partido. Mas a Líbia, diferentemente da Tunísia e do Egito, é uma nação que ainda não se consolidou. É o mais tribal entre os países árabes. Pode-se dizer que é um Estado semi-tribal. Sua estrutura rural é praticamente assentadas em tribos nômades e semi-nômades, muito segmentadas Lá existem mais de 140 tribos e clãs. Gaddafi , no início, tentou reduzir a influências da tribos, mas posteriormente teve de fazer alianças e manipular a fidelidade das tribos para manter sua ditadura.

A tribo de Gaddafi, Ghadafa (Qadhadhfah) é de origem bérbere-árabe e aliou-se à confederação Sa'adi, liderada por Bara'as (a tribo da esposa de Gaddafi, Farkash al-Haddad al-Bara'as). Os conflitos entre as forças do governo de Gaddafi e outras tribos – as tribos Zawiya e Toubou - começaram entre 2006 e 2008, no oasis de Kufra, localizado no sudeste da Libia, 950 quilômetros ao sul de Benghasi, perto da fronteira com o Egito, Sudão Chad. Benghasi, onde a rebelião começou, está na Cirenaica, antiga província romana (Pentapolis) e tradicionalmente separatista, na parte oriental da Líbia. Misurata é a única cidade na Tripolitânia, oeste da Líbia, que habita a tribo Warfallah, o maior grupo tribal, dividido em 52 sub-tribos, com cerca de um milhão pessoas. Essa tribo foi levada para a Líbia, no século XI, pelos Fatimidas, por motivos políticos. A ela está aliada a tribo Az-Zintan, que habita as montanhas ocidentais, entre as cidades bérberes, Jado, Yefren e Kabaw. E essas tribos romperam com o governo de Gaddafi, insurgiram-se e sustentam a rebelião. Não há indício de que houve estímulo direto do estrangeiro quando ela começou. Porém, em seguida, seguramente, houve participação externa, contrabandeando armamentos para os rebeldes em Benghazi. O contrabando continua. Mas a rebelião conta com o apoio do Grupo de Combate Islâmico, cujos membros estão estreitamente ligados a Bin Laden e podem tentar a tomada do governo, com a queda de Gaddafi. Tudo indica que a oposição à ditadura de Gaddafi está mais alinhada com a al’Qaida. Sob o comando de Abu Yahya Al- Libi, os jhadistas do Grupo Islâmico de Combate (Al-Jama'ah al-Islamiyah al-Muqatilah bi-Libia) já tinham se levantado contra o regime em 1990 e o centro da rebelião, atualmente, são as cidades de Benghazi e Darnah, onde eles se haviam concentrado e ocorrerem os levantes em 1990. 

Muitos islamistas radicais, exilado por Gaddafi, estão a voltar, entrando pelas fronteiras de Mali, Egito e outras. Os rebeldes, saudados pelos americanos como freedom fighters, não são, certamente, democratas. Um estudo da Academia Militar dos Estados Unidos, em 2007, indicou que do leste da Líbia saiu uma grande contribuição para a al-Qaeda no Iraque. Em tais circunstâncias, tudo pode acontecer na Líbia, com a prevalência e a desordem política, pior do que no Iraque e no Afeganistão. 

Os Estados Unidos, França e Inglaterra não têm como controlar a situação. A razão pela qual esses países estão apoiar os rebeldes islamistas não está muito clara. O mais provável é que queiram legitimar a doutrina da intervenção humanitária, tal como ocorreu no Kosovo e Sierra Leoa. Há uma contradição inexplicável de interesses em jogo. E não sem razão o ex-presidente Bill Clinton, ao visitar o Brasil, em 25 de março, declarou, a respeito do que os Estados Unidos, França e Inglaterra estão a fazer na Líbia.: "Vai ser mais difícil construir estabilidade nesses países do que foi para derrubar a velha ordem. Então agora acho que estão atirando em uma incerteza". 

Carta Maior: E quanto à resolução aprovada pela ONU, qual sua opinião?

Moniz Bandeira: A resolução aprovada Conselho de Segurança viola a própria carta das Nações Unidas. O art. 2, do Cap. I, estabelece que “nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII”. E o art. 42 do Capítulo VII dispõe que, se o Conselho de Segurança, considerar que “as medidas previstas no artigo 41 seriam ou demonstraram ser inadequadas (interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radio-elétricos, ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas), poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas”. 

Está bem claro que as operações militares aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas só poderão ocorrer caso sejam necessárias “para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”. O que ocorria na Líbia era uma questão interna, não ameaçava a paz e a segurança internacionais. O ataque a um país soberano é uma guerra. Não há nenhuma força multilateral. E os Estados Unidos, França e Inglaterra foram além de estabelecer uma no-fly zone para proteger civis. Como proteger civis, matando civis com mísseis lançados contra as cidades da Líbia? É o que continua a acontecer no Iraque, Afeganistão e Paquistão. Os civis são os mais sacrificados. 

No Afeganistão, somente em 2009, foram mortos por bombardeios cerca de 2.412 , 14% mais do que em 2008. Entre 2005 e 2008, as forças dos Estados Unidos e outras da OTAN mataram entre 2.699 e 3.273. No Iraque, calcula-se que, de 2003, quando a guerra começou, até 2007 mais de um milhão de civis foram mortos. E calcula-se que cerca de 700 civis foram pelos bombardeios americanos desde 2006. Segundo o Conflict Monitoring Center (CMC), em Islamabad, somente em 2011 mais de 2.000 pessoas foram mortas, a maioria das quais inocentes civis.

Na realidade, na Líbia, Estados Unidos, França a Inglaterra estão a participar da guerra civil, apoiando os rebeldes, como a Alemanha nazista fez durante a guerra civil na Espanha (1936-1939), quando bombardearam não apenas Guernica, mas diversas outras cidades, estreando seus bombardeiros Junkers Ju 52 e Heinkel He 111, bem como os caças Messerschmitt e Junkers Ju 87, que destruíram 386 aviões dos republicanos. Os navios de guerra dos Estados Unidos e da Inglaterra já lançaram contra a Libia, para a destruir as defesas de Gaddafi, cerca de 124 mísseis de cruzeiro. Cada um custa US1 milhão e o novo modelo US$ 2 milhões. No primeiro dia da Operation Odyssey Dawn os gastos dos Estados Unidos apenas com mísseis chegaram a US$100 milhões.

Carta Maior: Neste cenário, não é fácil precisar quais os objetivos dos Estados Unidos, França e Inglaterra no ataque às forças de Gaddafi, ajudando os rebeldes...

Moniz Bandeira – Os objetivos não estão claros. A guerra foi praticamente iniciada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. Supõe-se que ele deseja evitar que uma guerra civil na Líbia provoque um grande fluxo de refugiados para o sul da França. Mas há outras hipóteses. Tanto na França como nos Estados Unidos, cujos presidentes estão muito desgastados, bem como na Inglaterra, motivos eleitorais provavelmente influíram na decisão de deflagrar a guerra. O petróleo, aparentemente, não foi um fator decisivo. A França somente importa 5,63% do petróleo da Líbia, mas, possivelmente, deseja assegurar para seu abastecimento, durante o século XXI, as vastas reservas lá existentes, estimadas em 41 bilhões de barris, conquanto representem menos de 2% das reservas mundiais. Os países que mais importam o óleo da Líbia são Itália, entre 18,9% e 22%; China, 10,4%; Alemanha, entre 7,8 e 9,7. Porém, as operações na Líbia, de onde só importa 0,6% de petróleo, poderão custar para os Estados Unidos um montante entre US$ 400 milhões e US$ 800 milhões, de acordo com oCenter for Strategic and Budgetary Assessments, enquanto os gastos no Afeganistão já ultrapassam US$377 bilhões. 

Calcula-se que a guerra contra a Líbia custará para os Estados Unidos US$ 1 bilhão por semana. E o Pentágono necessita este ano de mais US$ 708 bilhões, incluindo U$ 159 para as guerra no Iraque e Afeganistão. Entrementes, em março, o déficit orçamentário atingiu o montante recorde de US$ 222,5 bilhões.

E o Departamento do calcula que através dos cinco meses do ano fiscal de 2011 o déficit cumulativo seja de U$ 641, bilhões. Entretanto, pelo menos 50.000 americanos carecem de recursos básicos de saúde, e cerca de 50.000 morrem em conseqüência, todos os anos. 

No Reino Unido, ao mesmo tempo em que corta das despesas públicas £95 bilhões, a pretexto de reduzir, e cria um milhão de desempregados, o governo conservador de David Cameron gasta em torno de £3 milhões por dia, com as operações aéreas contra as forças de Gaddafi. A missão de uma aeronave custa por hora £35.000 e £50.000. O total diário é £200.000 por avião. Estima-se que o custo para os contribuintes inglêses alcançará £100 milhões dentro de seis semanas. Os mísseis Tomahawk, comprados dos Estados Unidos, custam £500,000 cada e os mísseis Storm Shadow custam £800,000 cada. A manutenção do submarino HMS Triumph, que dispara os mísseis contra a Líbia, custa cerca de £200,000 por dia. E aí os custos disparam. 

Carta Maior: O presidente dos EUA, Barack Obama autorizou o início dos bombardeios contra a Líbia durante sua visita ao Brasil. Qual sua avaliação sobre essa visita e, de um modo mais geral, sobre a política externa do governo Obama. Houve alguma mudança significativa em relação aquela praticada pelo governo Bush?

Moniz Bandeira: O que está por trás de do presidente Barack Obama é o mesmo Complexo Industrial-Militar que sustentou o presidente George W. Bush. Ele deu continuidade às guerras no Afeganistão e no Iraque, onde ainda mantém cerca de 40 soldados, além dos mercenários (contractors)das private military company (PMC), como a Halliburton, Blackwater e outras. E não contente em continuar as guerras no Afeganistão e no Iraque, deu início a uma terceira, na Líbia. E aí tudo indica que a decisão inicial, após conversar com o presidente Sarkozy, foi tomada pela secretária de Estado, Hilary Clinton, e Obama simplesmente autorizou. Na realidade, ela se sobrepõe ao presidente Obama e é quem está efetivamente conduzindo a política internacional dos Estados Unidos, de modo a atender aos setores mais conservadores do Partido Democrata e aumentar sua popularidade, para candidatar-se outra vez à presidência dos Estados Unidos. 

Quanto à visita do presidente Obama ao, não representou qualquer mudança na política externa dos Estados Unidos nem nas relações com o Brasil. Foi uma visita protocolar, ele nada pôde nem tinha o que oferecer ao Brasil, cuja diretriz de política externa a presidente Dilma Roussef essencialmente mantém. O voto em favor de um delegado da ONU para verificar a questão dos direitos humanos na Irã é um fato isolado e não representa uma alteração fundamental na posição do Brasil.

 

Por Marco Aurélio Weissheimer 

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17611


sábado, 26 de março de 2011

21 - Povoamento da América

Segue uma notícia que saiu na Veja (versão digital de 23 de março de 2011), relatando um estudo publicado na revista Science, sobre a descoberta de vestígios que indicam que o povoamento da América começou há mais tempo do que muitos imaginaram. Na verdade, a datação mais antiga vem sendo proposta por pesquisadores há décadas, mas parte da comunidade acadêmica, sobretudo estudiosos dos EUA, insistia em uma datação mais recente. As descobertas citadas na reportagem reforçam os argumentos dos defensores do povoamento mais antigo. Outra observação: o texto fala de uma “civilização” que teria chegado há mais tempo na América. Naturalmente, o termo civilização, neste caso, está sendo usado como sinônimo de uma cultura material e não no sentido de uma sociedade complexa com cidades e Estado, como se costuma considerar.

Homem já ocupava América do Norte há 15.500 anos

Ferramentas achadas no Texas são 2.500 anos mais antigas que os vestígios dos humanos de Clóvis, conforme estudo publicado na 'Science’

O homem chegou à América do Norte 2.500 anos antes do que se pensava, de acordo com um estudo publicado no periódico americano Science. Cientistas da Universidade Texas A&M analisaram mais de 15.000 objetos de pedra encontradas a 65 quilômetros de Austin, no Texas (EUA), e estimaram que foram feitos há 15.500 anos. Até agora, a evidência mais antiga da ocupação humana na América do Norte era o sítio arqueológico de Clóvis, no estado do Novo México (EUA), onde foram encontrados vestígios de uma civilização que teria cruzado o Estreito de Bering, da Ásia à América do Norte, há 13.000 anos.

Os 15.000 objetos foram encontrados abaixo da camada de terra comumente associada ao período dos humanos de Clóvis. Para o arqueólogo Michael Waters, chefe da pesquisa, o achado é a indicação de que existiu uma civilização (sic) mais antiga do que se pensava na América do Norte. "A descoberta nos desafia a repensar como ocorreu a colonização do continente americano", disse o cientista, em entrevista ao jornal inglês Guardian.

A maior parte dos objetos encontrados são os restos da fabricação e manutenção de outras ferramentas. Contudo, "mais de 50 são ferramentas propriamente ditas", disse Waters. De acordo com o arqueólogo existem objetos que aparentam ser projéteis e outros que foram feitos com o propósito de raspar e cortar. Os cientistas acreditam que as ferramentas eram pequenas para que pudessem ser levadas com facilidade para outras localidades. 
Embora os objetos sejam diferentes da cultura Clóvis, Waters acredita que os dois sítios arqueológicos podem ter ligação. "A civilização que produziu os objetos que encontramos teve tempo suficiente para aprender a construir objetos que hoje reconhecemos como sendo da cultura Clóvis", disse. "Acho que passou da hora de formularmos um novo modelo para o povoamento das Américas", afirmou o arqueólogo.

quinta-feira, 24 de março de 2011

20 - Imagens da civilização minóica

Pessoal, seguem algumas imagens do Palácio de Cnossos e da civilização minóica ou minoana da Idade de Bronze (segundo milênio aC). No mapa, a ilha de de Creta, palco da civilização minóica, aparece em vermelho.

GR Kreta.PNG

File:Palace of Knossus.jpg


ARTIST'S IMPRESSION OF THE PALACE OF KNOSSOS



File:Knossos R01.jpg

File:KnossosFrescoRepro06827.jpg

File:Knossos bull.jpg

File:Knossos throne.jpg



19 - Imagens Thera



Pessoal, seguem algumas imagens da ilha de Thera (Santorini), palco da famosa explosão vulcânica em meados do segundo milênio aC, e do sítio arqueológico de Akrotiri. No mapa, a localização de Santorini nas Ilhas Cíclades.





File:Santorini Landsat.jpg







quinta-feira, 17 de março de 2011

18 - Democracia e liberdade de opinião

Pessoal, segue parte de um texto interessante do jornalista Reinaldo Azevedo sobre a liberdade de opinião. Ele foi publicado originalmente na edição eletrônica da Veja em 16 de março de 2011. Clique no título para ler o texto completo.


Tenho afirmado e escrito freqüentemente que aprecio a democracia menos pelo valor afirmativo do sistema do que por seu valor negativo; ou seja, menos pela prevalência da vontade da maioria do que pela possibilidade de as minorias dizerem o que pensam. Afinal, nas ditaduras, também é permitido concordar. Pode-se dizer “sim” em Nova York, em Trípoli e em Pequim. A segurança para dizer “não” é que distingue os regimes.

Da mesma forma que o teste de resistência da democracia é feito por aqueles que discordam de consensos — sejam estes legítimos ou não, embasados ou não em verdades científicas —, o teste de resistência dos democratas se dá quando confrontados com idéias que consideram absurdas, irrealistas, detestáveis até. Aceitar que o outro exponha a sua “verdade”, por mais estúpida que nos pareça, testa a nossa capacidade de conviver com a diferença. Isso não significa, e meu trabalho espelha essa minha postura, que não devamos, nós também, ser, então, “detestáveis” à nossa maneira aos olhos de quem discorda de nós. É preciso dizer com clareza e destemor o que se pensa, e não com o intuito de destruir o outro, de “eliminar a contradição”, de “extirpar” o adversário.

Mas quem não quer a liberdade de expressão? Bem poucas pessoas teriam a coragem de fazer a defesa aberta da censura. Aprendemos todos que não se fazem certas coisas em público, e alinhar-se com os valores democráticos integra o rol das escolhas educadas, decorosas. Assim, raramente, ou nunca, temos a chance de nos defrontar com um inimigo da liberdade de expressão. Eles, no entanto, existem e se manifestam de forma insidiosa — não raro, recorrem a princípios consagrados pela democracia para poder solapá-la.

Uma expressão está na moda, posta para circular, sobretudo, pelas ONGs: os chamados “temas transversais”, aqueles que atravessariam várias esferas da vida e do conhecimento, transformados, em si mesmos, em valores morais inquestionáveis. O tal Programa “Nacional-Socialista” de Direitos Humanos, por exemplo, chegava a prever a cassação da licença de emissoras de rádio e televisão se ficasse caracterizado o desrespeito aos direitos humanos. Notem o truque: quem é contra os “direitos humanos”? Ninguém! Quem iria definir o que caracterizava esse respeito? Ali estava a armadilha.

Os chamados “temas transversais” costumam ser uma espécie de bula do chamado pensamento politicamente correto, que perverte o valor democrático essencial: o direito de a minoria expressar a divergência. Essa derivação pervertida transforma a proteção às minorias numa agressão aos valores universais da democracia. Não é raro ouvirmos hoje magistrados, inclusive alguns da nossa corte suprema, a afirmar que a lei deve, sim, tratar desigualmente os desiguais porque cumpriria ao juiz corrigir injustiças que a sociedade a tempo não corrigiu.

Ora, numa democracia, o princípio que estabelece que todos os homens são iguais perante a lei não busca ofuscar a condição dos graúdos, mas estabelecer uma instância — a Justiça — em que o pequeno não será punido porque pequeno nem poupado de seus crimes; em que o grande não será protegido porque grande, mas também não terá seus direitos aviltados por isso.
Como justificar, por exemplo, a concessão de cotas raciais à luz da Constituição brasileira se não por intermédio de valores, e ninguém conseguiria provar o contrário, ausentes em nossa Constituição? Agride-se o princípio fundamental da igualdade dos homens perante a lei argumentando-se a aplicação dos fundamentos do Artigo 3º, a saber:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Será lícito, no entanto, aplicar o que prevê os três incisos discriminando pessoas, seja essa discriminação positiva ou negativa? O inciso seguinte do mesmo artigo responde:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O debate das cotas, no entanto, foi interditado. O Estatuto da Igualdade Racial aprovado pelo Congresso, embora na sua versão mitigada, coleciona uma penca de agressões à Constituição. Em breve, outro tema voltará ao debate: a chamada lei que criminaliza a homofobia. Não duvido de que as pessoas empenhadas em sua aprovação tenham o propósito de combater a discriminação, mas o texto agride, de maneira inequívoca, a liberdade de expressão. Uma simples opinião que possa ser caracterizada como “ação vexatória de ordem filosófica” — seja lá o que isso signifique — pode render cadeia. O crime será considerado inafiançável e imprescritível.

A patrulha politicamente correta, orientada pelo espírito da reparação e da correção das desigualdades e das injustiças, constitui-se numa verdadeira polícia do pensamento. Agride a liberdade de expressão e, muitas vezes, agride os fatos, impedido até mesmo a avaliação da eficiência de determinadas políticas públicas.

Na entrevista publicada pela VEJA, na semana passada, o professor  americano de economia Walter Williams, negro, afirma:

“Antes, uma menina grávida era uma vergonha para a família. Hoje, o estado de bem-estar social premia esse comportamento. O resultado é que, nos anos da minha adolescência, entre 13% e 15% das crianças negras eram filhas de mãe solteira. Agora, são 70%.”

Por Reinaldo Azevedo



17 - Video: modernização e desenvolvimento social

Pessoal, o professor Rafael Riemma me enviou um excelente video sobre o impacto da modernização/industrialização no desenvolvimento social de diversos países. É um filme pequeno (4 minutos) e bem didático, apresentado na forma de um gráfico muito bem bolado. O link segue abaixo. Não deixem de ver!

domingo, 13 de março de 2011

16 - Sociedade justa

Pessoal, segue um texto interessante do filósofo Olavo de Carvalho sobre o ideal de uma “sociedade justa”. Publicado no Diário do Comércio, em 10 de março de 2011, o texto também está disponível no site do autor em http://www.olavodecarvalho.org/index.html?index.htm

Sociedade justa

Outro dia perguntaram qual o meu conceito de uma sociedade justa. A palavra “conceito” entrava aí com um sentido antes americano e pragmatista do que greco-latino. Em vez de designar apenas a fórmula verbal de uma essência ou ente, significava o esquema mental de um plano a ser realizado. Nesse sentido, evidentemente, eu não tinha conceito nenhum de sociedade justa, pois, persuadido de que não cabe a mim trazer ao mundo tão maravilhosa coisa, também não me parecia ocupação proveitosa ficar inventando planos que não tencionava realizar.

O que estava ao meu alcance, em vez disso, era apenas analisar a idéia mesma de “sociedade justa” – o seu conceito no sentido greco-latino do termo – para ver se fazia sentido e se tinha alguma serventia.

Desde logo, os atributos de justiça e injustiça só se aplicam aos entes reais capazes de agir. Um ser humano pode agir, uma empresa pode agir, um grupo político pode agir, mas “a sociedade”, como um todo, não pode. Toda ação subentende a unidade da intenção que a determina, e nenhuma sociedade chega a ter jamais uma unidade de intenções que justifique apontá-la como sujeito concreto de uma ação determinada. A sociedade, como tal, não é um agente: é o terreno, a moldura onde as ações de milhares de agentes, movidos por intenções diversas, produzem resultados que não correspondem integralmente nem mesmo às intenções deles, quanto mais às de um ente genérico chamado “a sociedade”!

“Sociedade justa” não é portanto um conceito descritivo. É uma figura de linguagem, uma metonímia. Por isso mesmo, tem necessariamente uma multiplicidade de sentidos que se superpõem e se mesclam numa confusão indeslindável, que basta para explicar por que os maiores crimes e injustiças do mundo foram praticados, precisamente, em nome da “sociedade justa”. Quando você adota como meta das suas ações uma figura de linguagem imaginando que é um conceito, isto é, quando você se propõe realizar uma coisa que não consegue nem mesmo definir, é fatal que acabe realizando algo de totalmente diverso do que imaginava. Quando isso acontece há choro e ranger de dentes, mas quase sempre o autor da encrenca se esquiva de arcar com suas culpas, apegando-se com tenacidade de caranguejo a uma alegação de boas intenções que, justamente por não corresponderem a nenhuma realidade identificável, são o melhor analgésico para as consciências pouco exigentes.

Se a sociedade, em si, não pode ser justa ou injusta, toda sociedade abrange uma variedade de agentes conscientes que, estes sim, podem praticar ações justas ou injustas. Se algum significado substantivo pode ter a expressão “sociedade justa”, é o de uma sociedade onde os diversos agentes têm meios e disposição para ajudar uns aos outros a evitar atos injustos ou a repará-los quando não puderam ser evitados. Sociedade justa, no fim das contas, significa apenas uma sociedade onde a luta pela justiça é possível. “Meios” quer dizer: poder. Poder legal, decerto, mas não só isso: se você não tem meios econômicos, políticos e culturais de fazer valer a justiça, pouco adianta a lei estar do seu lado. Para haver aquele mínimo de justiça sem o qual a expressão “sociedade justa” seria apenas um belo adorno de crimes nefandos, é preciso que haja uma certa variedade e abundância de meios de poder espalhados pela população em vez de concentrados nas mãos de uma elite iluminada ou sortuda. Porém, se a população mesma não é capaz de criar esses meios e, em vez disso, confia num grupo revolucionário que promete tomá-los de seus atuais detentores e distribuí-los democraticamente, aí é que o reino da injustiça se instala de uma vez por todas. Para distribuir poderes, é preciso primeiro possuí-los: o futuro distribuidor de poderes tem de tornar-se, antes, o detentor monopolístico de todo o poder. E mesmo que depois venha a tentar cumprir sua promessa, a mera condição de distribuidor de poderes continuará fazendo dele, cada vez mais, o senhor absoluto do poder supremo.

Poderes, meios de agir, não podem ser tomados, nem dados, nem emprestados: têm de ser criados. Caso contrário, não são poderes: são símbolos de poder, usados para mascarar a falta de poder efetivo. Quem não tem o poder de criar meios de poder será sempre, na melhor das hipóteses, o escravo do doador ou distribuidor.

Na medida em que a expressão “sociedade justa” pode se transmutar de figura de linguagem em conceito descritivo viável, torna-se claro que uma realidade correspondente a esse conceito só pode existir como obra de um povo dotado de iniciativa e criatividade – um povo cujos atos e empreendimentos sejam variados, inéditos e criativos o bastante para que não possam ser controlados por nenhuma elite, seja de oligarcas acomodados, seja de revolucionários ávidos de poder.

Aquele que deseja sinceramente libertar o seu povo do jugo de uma elite mandante não promete jamais tomar o poder dessa elite para distribuí-lo ao povo: trata, em vez disso, de liberar as forças criativas latentes no espírito do povo, para que este aprenda a gerar seus próprios meios de poder – muitos, variados e imprevisíveis –, minando e diluindo os planos da elite – de qualquer elite – antes que esta possa sequer compreender o que se passou.
                                                                                                                               Olavo de Carvalho

quinta-feira, 10 de março de 2011

15 - A Grécia Antiga (I)

Pessoal, segue um texto meu sobre a Idade do Bronze na Grécia

1. A Grécia antiga: aspectos geográficos e linguísticos

A Grécia original

A Grécia ou Hélade (Hellas) está localizada no sudeste da Europa, na extremidade meridional da Península Balcânica. É um país montanhoso, com litoral bastante recortado e pontilhado de ilhas, principalmente na costa leste, junto ao Mar Egeu. Esse ambiente físico-geográfico exerceu uma grande influência na história dos gregos. As montanhas tendiam a isolar os povoados, contribuindo para a formação de comunidades politicamente independentes. Por outro lado, a proximidade do mar e as inúmeras ilhas favoreceram a navegação e os contatos com outras civilizações do Mediterrâneo Oriental (Ásia Menor, Fenícia, Egito).
      
O antigo mundo grego

Na Antigüidade, o mundo grego ocupava uma área maior do que a da Grécia atual. Pelo menos desde o século XI aC,  a  Grécia  incluía  a  costa  ocidental  da  Ásia  Menor  (hoje  Turquia)  e  uma  parte  da  ilha  de  Chipre. No século V aC, ela  abrangia  o  litoral  do Mar  Negro,  o sul  da  Itália  (Magna Grécia)  e  diversos  outros  pequenos  lugares  no  Mar Mediterrâneo. Em linhas gerais, a natureza desses locais ocupados pelos gregos lembra o meio físico da Grécia atual, favorecendo a reprodução do mesmo estilo de vida. A história da Grécia antiga foi a história desse conjunto de territórios, destacando-se aqueles próximos ao Mar Egeu, o núcleo original e irradiador da civilização grega ou civilização helênica.                           

Os gregos e seus dialetos

   
Os gregos ou helenos viam-se como um povo distinto dos demais, a quem chamavam genericamente de “bárbaros”. Ser grego significava compartilhar uma mesma língua, cultura e estilo de vida diferente dos povos não-gregos. Mas os gregos também reconheciam que, apesar desses traços comuns, eles próprios estavam divididos em três grandes agrupamentos étnico-tribais (ethne), cada um com seu dialeto particular, além de subdivisões menores ou locais – o que contribuiu para o individualismo das cidades-estados e para a fragmentação política do mundo helênico. No I milênio aC, os gregos  classificavam-se  em  três  ramos principais:  jônios  ou  iônioseólios  dórios.  Além desses três, consideravam que os aqueus representavam outro ramo mais antigo do povo grego.

A língua grega (o helênico) faz parte da família lingüística do indo-europeu, que incluiu o latim, o germânico, o eslavo e o iraniano, entre centenas de outras línguas. Para a maioria dos estudiosos, os antepassados indo-europeus dos gregos (chamados de proto-gregos) não seriam nativos da Grécia, mas originários de outra região (norte dos Bálcãs, Ásia Menor ou Armênia, entre outros locais propostos). No II milênio aC, os proto-gregos teriam migrado para a Grécia, dominando ou misturando-se com a população nativa (pré-helênicos, como os pelasgos), mas acabaram se dividindo em agrupamentos com dialetos diferenciados.

2. A periodização da Grécia antiga

A história das antigas civilizações na Grécia costuma ser dividida em cinco períodos baseados na evolução dos padrões artísticos da cerâmica e da escultura, e, principalmente, na ausência, no nascimento, no desenvolvimento e no declínio da polis. Esses períodos são a Idade do Bronze (3000-1100 aC), a Época Homérica (1100-750 aC), a Época Arcaica (750-500 aC), a Época Clássica (500-334 aC) e a Época Helenística (336-146 aC). Em 146 aC, a Grécia foi conquistada por Roma e sua história passou a ser parte da história romana.

3. A Idade do Bronze (3000-1100 aC)

A Idade do Bronze foi o período do aparecimento das primeiras civilizações na Grécia: a civilização cicládica, a civilização minóica e a civilização micênica, chamadas coletivamente de “civilizações egéias”. Essas civilizações não possuíam as características do sistema clássico (cidades-Estados republicanas, noção de cidadania, maior uso de escravos) e estavam mais próximas do modelo oriental de sociedade. No entanto, desenvolveram um politeísmo que foi a base da religião grega das épocas posteriores, cultuando deuses como Zeus, Poseidon e Hera. Além disso, a maior parte das lendas mais famosas da cultura helênica (personagens como Minos, Perseu, Teseu, Édipo, Hércules, Jasão e os Pelópidas, acontecimentos como a Guerra de Tróia), foi situada pelos gregos na Idade do Bronze, que eles consideravam ser uma remota “Idade dos Heróis”. Foi também na Idade do Bronze, segundo as hipóteses mais aceitas, que os antepassados dos gregos chegaram à Grécia.

3.1 As civilizações pré-helênicas

As civilizações cicládica e minóica são consideradas pré-helênicas, quer dizer, desenvolvidas por povos não-gregos.

A civilização cicládica (3000-2000 aC)

A civilização cicládica teve como núcleo as Ilhas Cíclades no Mar Egeu, constituídas, entre outras, pelas ilhas de Andros, Delos, Melos, Mikonos, Naxos e Thera. Nenhum sistema de escrita foi encontrado nessa civilização, que parece ter sido ágrafa. Aparentemente, os cicládios estavam divididos em pequenas unidades políticas espalhadas pelas ilhas. Por suas características insulares, sua civilização pode ter sido a primeira a desenvolver uma grande dependência do comércio marítimo, enriquecendo-se com a distribuição dos seus próprios produtos (obsidiana, mármore, cobre, objetos de metal, gêneros agrícolas) e a redistribuição de produtos de outras regiões (Grécia Continental, Creta, Ásia Menor e, talvez, Síria e Egito). Os estudiosos chamaram esse poder marítimo de talassocracia. Os cicládicos fundaram colônias na Grécia Continental e em Creta, expandindo sua cultura pelo Egeu.

O aspecto mais famoso da civilização cicládica foi a sua arte, principalmente as estátuas de mármore, com figuras humanas estilizadas de forma abstrata e harmônica em tamanhos variados, herdeiras de antiqüíssimas tradições culturais do Neolítico balcânico. Para os padrões atuais, essas estátuas são impressionantemente “modernas”.

Os cicládios exerceram uma grande influência no desenvolvimento da fase inicial da civilização minóica, que acabou se transformando na mais poderosa do Egeu. Por volta de 2000 aC, a civilização cicládica foi, em grande medida, absorvida pela minóica.
  
A civilização minóica (3000-1450 aC)

A civilização minóica ou minoana, baseada na ilha de Creta, tem o seu nome derivado do lendário Minos, monarca que teria reinado em Cnossos, a mais famosa cidade cretense. A civilização minóica começou a se formar em 3000 aC sob influência dos cicládios e do Egito, onde Creta era chamada de Keftiou ou Kefter. Por volta de 2000 aC, palácios começaram a ser construídos em diversos centros da ilha, como Cnossos, Mallia, Faístos e Zakro, que deviam ser sedes de reinos autônomos. Na mesma época, a escrita foi adotada, inicialmente do tipo hieroglífica, substituída a partir de 1900 aC, por uma forma silábica chamada de Linear A. Essas escritas não foram decifradas e não se sabe ao certo que língua elas representavam, o que limita bastante o nosso conhecimento sobre os minoanos.

A fase de maior desenvolvimento da civilização minóica foi chamada de Neopalacial (1700-1450 aC). Nessa época, Creta pode ter atingido 250 mil habitantes e Cnossos, a maior cidade européia da época, devia ter uns 40 mil residentes. Os palácios cresceram e ficaram mais complexos, com paredes maravilhosamente decoradas com afrescos que retratavam a vida cotidiana. As cenas mais famosas são de jovens acrobatas, de ambos os sexos, enfrentando touros em uma espécie de jogo ou ritual (tauromaquia).

É possível que nos séculos XVI-XV aC, Cnossos tenha unificado a ilha ou exercido algum tipo de hegemonia sobre os outros centros de poder minoano. Mas praticamente nada sabemos sobre a organização política e a estrutura social dessa civilização, que os estudiosos consideram ser diferente da polis escravista. A maioria acredita que havia uma monarquia teocrática. Minos, o nome do lendário monarca, talvez fosse um título do governante, como “faraó” entre os egípcios. Assim, teriam existido vários Minos, e não um único personagem. Também foi sugerida a existência de uma modalidade de matriarcado centrada da figura de uma suposta sacerdotisa-mor – hipótese que busca se fundamentar no destaque dado às mulheres nas artes, sobretudo nas imagens que indicam divindades femininas.

No Período Neopalacial, o comércio e a expansão marítima minoana atingiram o auge, estabelecendo uma talassocracia no Mediterrâneo Oriental que superou a dos cicládicos. Com os navios mais avançados do mundo, os minoanos viajavam para o Egito, a Grécia Continental, as ilhas do Egeu (onde fundaram colônias, como em Rodes, Thera e Melos), o Levante ou Canaã (litoral da Síria-Palestina), a Sicília e, talvez, a Península Ibérica. É possível que parte das comunidades gregas, na época menos desenvolvidas do que as de Creta, tenham ficado sob controle dos minoanos.

No século XV aC, os palácios minoanos foram destruídos e os gregos aqueus assumiram o poder em Creta. Não sabemos o que causou esse colapso: catástrofe natural, que enfraqueceu a civilização minóica permitindo sua conquista pelos aqueus, ou um ataque direto de invasores gregos? A explosão do vulcão da ilha de Thera ou Santorini, nas Cíclades, costuma ser apontada como causa do declínio do poder minóico. Thera está localizada a 100 km ao norte de Creta. Nela existia uma riquíssima cidade (atual Akrotiri), ligada aos minoanos. A explosão do vulcão de Thera destruiu Akrotiri, causou um tsunami e a fumaça e cinzas lançadas alteraram o clima do Mediterrâneo. A catástrofe certamente repercutiu nos países vizinhos e pode ter originado a lenda de Atlântida e algumas tradições do Êxodo israelita, como a das Pragas do Egito. Dificilmente Creta escapou dos seus efeitos. Contudo, não há certeza quanto à data da explosão: os geólogos a situam entre 1627 e 1600 aC, os arqueólogos por volta de 1500 aC. No primeiro caso, a data é por demais distante para ter causado a decadência dos minóicos no século XV aC. O segundo caso se encaixa melhor na cronologia do colapso minoano, mas é contestada pela geologia. Na verdade, existem claras deficiências na cronologia do segundo milênio aC, o que complica ainda mais a questão. A data e os motivos da “Queda de Creta” continuam sendo objeto de um intenso debate.

3.2 A civilização micênica

A civilização micênica ou aquéia (1600-1100 aC), na Grécia continental e também em Creta (ocupada pelos aqueus em 1450 aC), foi a primeira civilização desenvolvida pelos descendentes dos proto-gregos que chegaram ao país na primeira metade do II milênio aC ou um pouco antes. De fato, os micênicos utilizaram-se de uma escrita não-alfabética que revela uma forma rudimentar de língua grega (a escrita Linear B).  O nome da civilização vem de Micenas, o mais famoso e poderoso reino aqueu, localizado no sul da Grécia. “Aqueu” era o antigo nome que os gregos davam a si mesmos antes de adotarem o nome de “helenos” (as razões da mudança são misteriosas). O nome aqueu aparece em textos do II milênio aC do Egito (ekwesh) e do Império Hitita na Ásia Menor (ahhiyawa) em referência a povos que viviam na Grécia ou no Egeu.

A civilização micênica parece ter sido fruto de uma evolução das comunidades tribais proto-gregas que se misturaram ou dominaram os centros pré-helênicos, em um processo de fusão cultural de 2000 a 1600 aC. A influência dos minóicos possivelmente contribuiu para a formação da civilização micênica. Posteriormente, os gregos preservaram tradições que falavam de monarcas estrangeiros vindos do Egito (rei Dânao) e da Síria-Palestina (rei Cadmo) que levaram a civilização para a Grécia. Outras tradições também afirmam que a mais famosa dinastia de reis micênicos, a dinastia de Atreu, era de origem estrangeira (Pélops, pai de Atreu, teria vindo da Ásia Menor). Alguns estudiosos crêem que essas lendas retratam acontecimentos reais, desprezados ou negados pela maioria dos historiadores: uma invasão ou migração de uma elite asiática de língua semita, os hicsos, que, depois de dominarem o Egito nos séculos XVII-XVI aC, foram expulsos e fugiram para a Grécia. As lendas de Dânao e Cadmo seriam reflexos desse episódio. Outros defendem a tese que guerreiros indo-europeus, especializados na utilização de carros de combate, invadiram a Grécia a partir da Ásia Menor no século XVI aC, base da lenda de Pelops. Nesses casos, a civilização micênica nasceu a partir da difusão de novas técnicas militares e de organização política de uma elite estrangeira sobre as comunidades da Grécia na Idade do Bronze.

De toda forma, os aqueus ficaram divididos em diversos reinos guerreiros (sendo os principais Micenas, Tirinto, Pilos, Atenas, Tebas e Cnossos aquéia) dominados por poderosos monarcas (wanax) que residiam em palácios-fortalezas, de onde governavam auxiliados por uma burocracia relativamente numerosa. Aparentemente a maioria de sua população vivia em comunidades aldeãs autárquicas (damoi) exploradas pelo Estado, em um sistema onde a propriedade privada da terra era pouco desenvolvida (parte dela pertencia ao palácio, parte era coletiva das comunidades). Os aqueus substituíram os minóicos no controle do comércio marítimo no Mediterrâneo Oriental e desenvolveram sua própria talassocracia. A disputa por terras, centros comerciais e riquezas na forma de saques provavelmente causou diversas guerras locais, como era comum na Antiguidade. Alguns desses conflitos devem ter assumido uma grande dimensão, envolvendo alianças entre os centros micênicos. Foi, possivelmente, o caso da lendária Guerra de Tróia, no século XIII aC (segundo a cronologia mais utilizada), entre uma coligação de reinos aqueus liderados por Micenas, e o reino de Tróia ou Ílion, na Ásia Menor. Os mais famosos heróis das lendas gregas ambientadas na Idade do Bronze lutaram nessa guerra. Do lado dos aqueus, Aquiles, Agamêmnon (rei de Micenas), Menelau, Ulisses, Ajax, Diomedes e Pátroclo. Do lado dos troianos, cujo monarca era Príamo, destacaram-se Heitor, Páris e Enéias, auxiliados pelas amazonas (rainha Pentesiléia) e pelos etíopes (rei Memnon). O pretexto para a guerra teria sido o rapto da rainha Helena, esposa de Menelau (irmão de Agamêmnon), por Páris, filho de Príamo. Depois de dez anos de guerra, Tróia foi tomada pelos aqueus e destruída. 

Em 1200-1100 aC a civilização micênica entrou em colapso, junto com outros importantes centros políticos da Ásia Menor, de Chipre e da Síria-Palestina. Seus palácios foram destruídos ou abandonados, em um processo que parece estar associado às migrações de povos no Mediterrâneo Oriental. Especificamente na Grécia, as migrações envolveram a chegada de grupos tribais dórios, que se instalaram no sul do país (Peloponeso) e em Creta.

3.3 O final da Idade do Bronze

O colapso da civilização micênica encerrou a Idade do Bronze e iniciou a fase arqueológica da Idade do Ferro na Hélade. A destruição dos reinos aqueus foi uma enorme catástrofe que alterou profundamente as estruturas políticas, sociais e econômicas da Grécia pré-clássica: as monarquias despóticas, suas burocracias e a escrita desapareceram, os palácios foram abandonados, o comércio foi interrompido, a economia entrou em recessão, a população diminuiu e os gregos sofreram uma retração no seu modo de vida, criando uma nova civilização, mais pobre materialmente.

4. A Época Homérica (1100-750aC)

O período entre 1100 e 750 aC  foi  chamado  de  “Homérico”  devido  a  importância  das  informações  contidas  nas  obras  do  poeta  Homero  para  a  reconstituição  da  época, que corresponde ao  início  da  Idade  do  Ferro  grega. Outra fonte importante são as obras do poeta Hesíodo. No entanto, o conjunto de dados sobre essa fase da história da Grécia é muito escasso, sobretudo por que a escrita desapareceu com o colapso da civilização micênica em 1200-1100 aC. As obras de Homero parecem ter sido compostas oralmente no século IX, mas, junto com as criações de Hesíodo, só assumiu sua forma escrita quando esta foi restabelecida no século VIII aC. Por essa razão, a Época Homérica costuma ser chamada também de Idade das Trevas – os séculos obscuros da história da Grécia Antiga.  Do ponto de vista arqueológico, tendo como referência o estilo de decoração da cerâmica, essa época pode ser subdividido em três períodos: o Submicênico (1100-1050 aC), o Proto-Geométrico (1050-900 aC) e o Geométrico (900-750 aC).


A obra de Homero

  Homero (século IX ou VIII aC), o mais famoso poeta da Antigüidade, era um aedo (poeta-cantor). São atribuídas a ele a composição oral de dois poemas épicos, a Ilíada e a Odisséia. As duas obras são um marco na formação da cultura ocidental e tornaram-se a principal referência sobre as tradições e a história mais remota da Grécia antiga. Dotadas de uma sofisticação dramática e de uma qualidade sem paralelo para uma cultura iletrada, a Ilíada e a Odisséia serviram de modelo no desenvolvimento de outros épicos na Grécia e em Roma. Os dois poemas retratam a sociedade grega do início da Idade do Ferro, nos séculos IX-VIII aC, sobretudo os hábitos da aristocracia e seus valores (honra, coragem, espírito guerreiro), mas referem-se a fatos ocorridos nos séculos XIII-XII aC, na fase final da Idade do Bronze. A Ilíada tem como foco as ações do herói grego Aquiles e seu confronto com o rival Heitor, príncipe troiano, durante a Guerra de Tróia (c.1200 aC), relatando outros episódios associados a esse conflito. A Odisséia narra as aventuras de Odisseu ou Ulisses, um dos reis gregos que lutou em Tróia, quando retornou para o seu reino em Ítaca, no leste da Grécia. A perseverança de Odisseu diante das dificuldades para voltar para sua casa e retomar sua vida em família é um dos temas mais famosos da tradição cultural helênica.
    
A obra de Hesíodo

  O poeta Hesíodo (século VIII aC) viveu depois de Homero e compôs poesias que pretendiam ser úteis, enquanto a obra  de Homero tinha o objetivo de entreter. A ele são atribuídas duas importantes criações literárias: Teogonia, que trata das origens e genealogia dos deuses e dos ciclos míticos, e Os Trabalhos e os Dias, que descreve preceitos morais e conselhos práticos sobre a agricultura e uma vida honesta na ótica camponesa.

Aspectos gerais do período homérico

   A civilização grega ou helênica da Época Homérica era diferente da micênica, não possuindo mais as características que lembravam o sistema oriental. Embora continuasse sendo também pré-clássica, com a ausência da cidade-Estado republicana e de um escravismo economicamente importante, a sociedade homérica começou a apresentar traços que indicavam uma evolução na direção da polis. Nesse período, a Grécia estava isolada e dividida em pequenos reinos descentralizados, com uma população menor e pouca vida urbana e comercial. A produção era voltada mais para a subsistência.

A Primeira Diáspora Grega (1100-900 aC)

  “Diáspora” significa dispersão. A Primeira Diáspora Grega foi dirigida para a Ásia Menor (atual Turquia), causada pelo deslocamento populacional em razão dos problemas gerados pelo colapso micênico. Foi em meio a esse deslocamento e migrações que se formaram os dialetos iônio, eólio e dório. A diáspora dos séculos XI-X aC resultou na colonização das ilhas e o do litoral da Ásia Menor pelos refugiados ou invasores gregos, que fundaram comunidades independentes no litoral da Ásia Menor (regiões da Jônia, Eólida e Dórida). 

A organização política

  Com a queda dos palácios micênicos, outro tipo de monarquia emergiu na Grécia: a basiléia, chefiada por um basileu (rei), um líder guerreiro visto como mediador entre os deuses e os homens. Não é possível estabelecer com segurança se as basiléias eram hereditárias ou eletivas, mas a antiga autoridade despótica e centralizadora da realeza aquéia desapareceu, e o poder político nos séculos X-VIII aC ficou, na prática, dividido entre o rei e uma aristocracia guerreira. Embora reconhecesse a autoridade suprema do rei (ele próprio membro das famílias aristocráticas), a nobreza guerreira formava um “Conselho dos Notáveis” ou “Anciãos” que orientava o monarca em decisões mais importantes limitando, na prática, o seu poder. Inexistia a noção de cidadania, mas a população costumava se reunir em uma praça descampada (ágora) para escutar as deliberações do basileu ou os debates dos líderes aristocráticos.

A sociedade

A aristocracia homérica. A classe dominante da época era constituída por uma elite de famílias da nobreza também chamada de basileis ou aristoi (“os melhores”), que possuía as principais terras e rebanhos. O basileu que liderava o seu genos (a família extensa aristocrática) era chamado de geronte. A mentalidade da aristocracia homérica era tipicamente guerreira, fundamentada na areté (coragem, honra e excelência) e na busca da fama, adquirida no campo de batalha através da vitória na aristéia, o duelo ou combate individual entre dois basileus, como retratado na Ilíada.

Os grupos não-aristocráticos. A escravidão não predominava na sociedade homérica e tinha um aspecto predominantemente doméstico, sendo pouco empregada na produção. A maioria da população aparentemente era livre, constituída por camponeses (georgois), incluindo trabalhadores dependentes da aristocracia. Os demiurgos eram trabalhadores livres especializados e remunerados, profissionais como os artesãos do metal. Os tetes eram livres e pobres, sem posses, forçados a alugar ou vender sua força de trabalho para sobreviver.
    
A economia

O oikos. Oikos era o patrimônio de um homem livre. O termo oikos originou a palavra “economia” (oikonomia ou “administração do patrimônio”), mas para os gregos ele tinham um significado mais amplo. Além de sua riqueza material (terras, rebanhos, tesouros, construções), o oikos incluía as pessoas que ele dominava (familiares, escravos, trabalhadores dependentes). A extensão econômica e social do oikos variava dependendo do seu proprietário – o oikos de um aristocrata era maior e mais rico do que de um camponês e era a base material e social de seu poder. Na Época Homérica, o comércio e as cidades eram relativamente pouco desenvolvidos, predominando uma economia de subsistência. Nesse cenário, o oikos de um aristocrata ou de um camponês era fundamentalmente uma unidade econômica e social auto-suficiente, que gerava poucos excedentes para serem trocados.

A propriedade da terra. Apesar do caráter pré-clássico da civilização grega na Época Homérica, é possível que uma das principais características da civilização clássica – a propriedade privada do solo – tenha avançado nos séculos X-VIII aC em decorrência do desaparecimento do sistema palacial micênico e seu dirigismo econômico. As terras da monarquia micênica podem ter sido apropriadas pelas famílias mais poderosas (da antiga elite aquéia ou de invasores dórios). As terras coletivas das comunidades aldeãs também podem ter sofrido uma transformação, com parte delas virando propriedade pessoal de lideranças locais, de invasores ou das elites tradicionais. O processo de privatização da terra possivelmente foi variado, com nuances locais, e pode ter mesmo começado ainda na Idade do Bronze. Depois de avançar na Época Homérica, a privatização do solo foi consolidada no período posterior, a Época Arcaica.

A questão da comunidade gentílica

No Brasil, muitos manuais de História consideram que a unidade econômica e social básica da Grécia na Época Homérica era a “comunidade gentílica”, identificada com o genos. De acordo com essa visão, a comunidade gentílica ou genos seria um clã ou agrupamento de famílias que possuíam terras de forma coletiva, voltadas para a subsistência. Essa interpretação foi muito influenciada pelo marxismo, que se baseou em duas obras escritas no século XIX: Ancient Society (1877), de Lewis Morgan, e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), de Friedrich Engels. Embora ainda utilizada por parte da historiografia marxista, há muito tempo ela é considerada superada pelos especialistas na Grécia pré-clássica. Terras coletivas ou comunais parecem ter existido na Idade do Bronze (as ktonai kekemenai dos textos micênicos) e é razoável supor que parte delas tenha sobrevivido na Época Homérica e no início da Época Arcaica em algumas regiões da Grécia, desaparecendo posteriormente em um processo pouco claro de privatização. No entanto, está claro que o genos não era um clã que coletivamente controlava o solo, e sim uma família aristocrática extensa, com vários casais (cada um com o seu oikos individual) subordinados a um único chefe ou pater maior.

Sugestões de Leituras. Existem poucos livros em português sobre a Grécia na Idade do Bronze e na Época Homérica. O ponto de partida deve ser O Mundo Grego Antigo – Dos Palácios de Creta à Conquista Romana, de Marie-Claire Amouretti e Françoise Ruzé (Lisboa, Dom Quixote, 1993). Uma interpretação muito influente sobre o impacto do colapso micênico na formação da filosofia grega é o pequeno, mas importante, livro de Jean-Pierre Vernant, As Origens do Pensamento Grego (São Paulo, Difel, 1984). A obra mais famosa e citada sobre a Época Homérica é O Mundo de Ulisses, de Moses Finley (Lisboa, Editorial Presença, 1988). Em inglês, a referência fundamental é a The Cambridge Companion to the Aegean Bronze Age, de Cynthia W. Shelmerdine (Nova York, Cambridge, 2008). Para aprofundar o assunto, dois livros excelentes de Oliver DickinsonThe Aegean Bronze Age (Nova York, Cambridge University Press, 1994) e The Aegean From Bronze Age to Iron Age: Continuity and Change Between the Twelfth and Eighth Centuries BC (Nova York, Routledge, 2007).